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Editorial

As vantagens de ser amigo dos poderosos

Quarenta setores reduziram o número de trabalhadores desde o início da vigência do benefício fiscal

04 de Setembro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Uma das razões para que isso ocorra é o protecionismo e as isenções dadas a alguns setores mais próximos aos governantes
Uma das razões para que isso ocorra é o protecionismo e as isenções dadas a alguns setores mais próximos aos governantes (Crédito: Emidio Marques / Arquivo JCS)

O Estado brasileiro tem-se notabilizado por gastar bem mais do que arrecada. A máquina pública cresce cada vez mais sem dar, em contrapartida, os serviços esperados pela população. E não é por falta de taxas e impostos.

Nossos legisladores são criativos na hora de avançar sobre os ganhos e sobre o patrimônio dos cidadãos e das empresas. Basta um piscar de olhos e lá surge uma nova contribuição. A reforma tributária, em discussão agora no Senado, promete simplificar esse sistema arrecadatório, mas a tendência é de que o impacto no bolso do trabalhador mude muito pouco. Seguiremos sendo um dos povos mais taxados do mundo.

Uma das razões para que isso ocorra é o protecionismo e as isenções dadas a alguns setores mais próximos aos governantes, seja no executivo como no legislativo. São muitos os beneficiados pelas desonerações fiscais, mas poucos os que realmente retribuem esse presente ganho. Resultado, a sociedade acaba pagando a conta de quem não consegue competir no mercado pelas próprias pernas.

Desde 2011, no governo da petista Dilma Rousseff, vários setores receberam esse benefício. O que era para ser temporário acabou, por vezes, prorrogado. E a vantagem competitiva deve ser mantida até 2027. É isso que demonstra o atual Parlamento ao aprovar, na Câmara dos Deputados, no finalzinho de agosto, mais uma prorrogação. O texto já foi enviado para o Senado e deve ter também parecer positivo.

Segundo estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), setores contemplados pela desoneração da folha de pagamento não só deixaram de manter o número de trabalhadores nas empresas, como cortaram parte das vagas formais na última década de vigência do benefício fiscal. O mesmo estudo mostra que alguns desses setores encolheram mesmo com a vantagem recebida do poder público.

O levantamento do Ipea leva em consideração dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para medir o nível de ocupação no mercado de trabalho brasileiro entre 2012 e 2022 em 87 setores da Classificação Nacional das Atividades Econômicas Domiciliar.

De acordo com o resultado da pesquisa, nenhum dos setores desonerados aparece entre os sete segmentos que, juntos, concentram mais da metade dos trabalhadores no Brasil: comércio (exceto de veículos automotores e motocicletas), agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados; educação; serviços domésticos; administração pública, defesa e seguridade social; atividades de atenção à saúde humana; e alimentação.

Entre 2012 e 2022, dos 87 setores econômicos analisados, 47 abriram mais vagas do que fecharam, respondendo por 13 milhões de postos de trabalho adicionais, sendo que a maior parte das novas contratações acabou concentrada em quatro setores, nenhum deles beneficiado pela desoneração da folha de pagamento. São elas as atividades de atenção à saúde humana, comércio (exceto de veículos automotores e motocicletas), alimentação e educação.

Já 40 setores reduziram o número de trabalhadores desde o início da vigência do benefício fiscal. Foram 4,6 milhões de vagas a menos. A maior parte das demissões ocorreu na agricultura, pecuária, caça e serviços relacionados; na administração pública, defesa e seguridade social e em serviços especializados para construção.

Claro que, em muitos desses setores, o lucro foi investido em tecnologia. No campo, por exemplo, uma única colheitadeira substitui mais de uma dezena de trabalhadores. Além disso, o desenvolvimento de novos maquinários faz com que as indústrias contratem mais, transferindo vagas do setor primário, para ocupações mais qualificadas e melhor remuneradas.

Dentro do grupo de setores beneficiados pela desoneração, os que mais enxugaram ocupações formais nos últimos dez anos foram: construção e incorporação de edifícios, preparação de couros e fabricação de artefatos de couro, artigos de viagem e calçados, fabricação de produtos têxteis, e confecção de artigos do vestuário e acessórios.

O levantamento do Ipea mostra, ainda, que os segmentos beneficiários do incentivo fiscal têm uma proporção menor de trabalhadores formais do que a média do mercado de trabalho. Somente 54,9% dos trabalhadores ocupados nos setores beneficiados pela desoneração da folha contribuem para a Previdência Social contra 63,7% na média de todos os trabalhadores brasileiros.

Isso tudo somado, pode-se concluir que o Brasil arrecada muito e gasta mal. Além de manter um sem número de serviços ineficientes, operados por servidores com estabilidade e pouca produtividade, ainda aposta em benefícios para setores empresariais que nem sempre justificam esse investimento. O retorno é muito menor do que o custo gerado para a sociedade. É preciso dar um basta nesse desequilíbrio e afastar os amigos dos poderosos da boca do caixa do dinheiro público.