Editorial
Era uma vez em Hollywood
Os embates entre estúdios e profissionais de entretenimento ainda podem durar muito tempo. Há um certo abismo entre os desejos de cada um dos lados
Desde que a televisão brasileira surgiu, os filmes e seriados produzidos nos Estados Unidos são presença constante nas nossas telinhas. Muitos personagens marcaram época e, até hoje, alguns de seus bordões permanecem vivos na nossa memória. Quem não se lembra do grito de perigo do robô de “Perdidos no Espaço”. Quantos não tentaram imitar os gestos do Sr. Spock, de Jornada nas Estrelas. Quantas traquitanas foram apresentadas por James West e MacGyver. Quem nunca sonhou com um passeio na Supermáquina ou no Batmóvel.
Tanto no cinema, quanto na televisão, a produção audiovisual norte-americana sempre dominou o nosso mercado. São referências e mais referências. Só que essa indústria tão poderosa vive momentos delicados. O custo de produção aumentou muito, apesar dos avanços tecnológicos, a concorrência das plataformas de streaming desarranjou o mercado e a audiência caiu. Isso obrigou muitos estúdios a segurar os salários de seus funcionários causando enorme insatisfação.
A situação foi ficando tão ruim que roteiristas e atores deflagraram uma das maiores greves da história de Hollywood. Até nomes famosos, como Tom Cruise, suspenderam suas atividades em solidariedade ao movimento. Emissoras de televisão já cancelaram as datas de estreia das novas temporadas de várias séries, sem saber quando o ritmo de produção vai voltar ao normal.
As principais manifestações têm ocorrido em Los Angeles e em Nova York. No caso dos roteiristas, o movimento começou há quase 90 dias. Os atores aderiram mais tarde, em meados de julho. Os sindicatos de ambas as categorias reivindicam melhorias salariais, reajuste nos pagamentos que os artistas recebem pelas reexibições de suas produções, e de definições sobre o uso da Inteligência Artificial na indústria, entre outros pontos.
A “greve dupla” interrompeu praticamente toda a produção audiovisual dos Estados Unidos, com exceção dos reality shows e de programas de competição ou de entrevistas. Já é certo que séries e outras produções de grande porte sofrerão atrasos.
A Aliança de Produtores de Cinema e TV (AMPTP), que representa os estúdios e as plataformas de streaming, informou que ofereceu “aumentos históricos de salário e pagamentos residuais”, além de apresentar uma série de respostas a outros questionamentos feitos pelos sindicatos. Mesmo assim, não se chegou nem perto de um acordo.
Em Nova York, o sindicato de funcionários de apoio dos teatros negociou, esta semana, um acordo provisório para evitar a suspensão nas atividades da Broadway, o mais famoso distrito teatral do mundo. A greve não chegou nem a começar. O acordo ainda deve ser confirmado em assembleia, mas tudo caminha para o acerto.
Para se ter uma ideia das dimensões desse negócio, só as peças e shows da Broadway arrecadaram mais de 1,6 bilhão de dólares (R$ 7,6 bilhões, na cotação atual) em receitas. Foram vendidos na temporada 2022-2023, que terminou em maio, 12,3 milhões de ingressos.
Até a mais importante feira dedicada aos “nerds” do mundo está sendo afetada pela greve de atores e roteiristas. Por conta das paralisações, as grandes estrelas vão ficar de fora da edição deste ano da Comic-Com, em San Diego. Os participantes, cerca de 130 mil, aguardavam ansiosamente o encontro com seus personagens favoritos, mas dessa vez isso vai ficar só na imaginação.
Os organizadores do evento apostam nas histórias em quadrinhos para garantir o sucesso dessa feira que serve de plataforma de lançamento para os grandes filmes da temporada norte-americana. Sem isso, é a própria indústria cinematográfica que vai sair perdendo.
Os embates entre estúdios e profissionais de entretenimento ainda podem durar muito tempo. Há um certo abismo entre os desejos de cada um dos lados. Fora a questão salarial, o ponto mais controverso é o limite de uso da Inteligência Artificial nas produções. Uma discussão que não fica restrita à classe artística e que ainda vai causar muita confusão nas relações trabalhistas.
Enquanto a greve não acaba, é bom se preparar para uma boa temporada de reprises nas telinhas e telonas. Até que os inéditos voltem, vai levar algum tempo.