Editorial
Decorar o improviso
O presidente Lula, nesses primeiros meses do terceiro mandato, tem se especializado em produzir frases desastrosas
O dramaturgo Dias Gomes criou, no final de década de 1960, um dos mais folclóricos personagens da história do teatro e da televisão brasileira. Odorico Paraguaçu era um político nordestino que não tinha limites em suas artimanhas e armações. O objetivo dele era sempre se dar bem. Prefeito da cidade de Sucupira, ele conhecia todos os caminhos da corrupção e dos conchavos com o parlamento. Só que essa não era sua única característica marcante. Odorico Paraguaçu era um frasista de mão cheia, com uma capacidade imensa de manipular as plateias que o idolatravam, não importando o tamanho da besteira dita.
Imortalizado pelo ator Paulo Gracindo, Odorico cunhou momentos antológicos da história cultural brasileira e marcou gerações de telespectadores. Aproveitando uma de suas mais famosas construções vocabulares, vamos pôr de lado os entretantos e partir direto para os finalmentes.
Nos dias de hoje, Odorico Paraguaçu parece ter ganho um competidor a sua altura. O presidente Lula, nesses primeiros meses do terceiro mandato, tem se especializado em produzir frases desastrosas que comprometem a imagem do cargo e do País interna e externamente. A cada discurso improvisado, a única certeza que se tem é que uma nova bobagem vai surgir.
A mais recente e constrangedora, até agora, se deu na quarta-feira, 19, na cidade de Praia, capital de Cabo Verde. Lula destacou, ao lado do presidente do país, sua gratidão à África “por tudo o que foi produzido pelos 350 anos de escravidão” no Brasil.
A fala, por si só, é constrangedora e embaraçosa para a diplomacia brasileira. Por mais que ele tenha sido bem-intencionado, acabou produzindo memes e críticas aos borbotões.
Essa não foi a primeira vez que Lula usou combinações infelizes de palavras para se referir ao continente africano. Em novembro de 2003, em uma visita à Namíbia, ele se disse surpreso com a e beleza e a limpeza da capital, Windhoek. “Estou surpreso porque quem chega a Windhoek não parecer estar num país africano. Poucas cidades do mundo são limpas e bonitas”, declarou Lula, na ocasião. A fala foi apontada como uma das maiores gafes de seu primeiro ano de governo.
À época, a repercussão no movimento negro e entre políticos opositores foi grande. O presidente, como sempre, disse ter sido mal interpretado. “Nem tudo o que nós falamos é entendido do jeito que nós gostaríamos que fosse”, afirmou.
O problema é que atualmente, o presidente brasileiro não escolhe tema para desfilar seu rol de absurdos.
Meses atrás, Lula relacionou problemas de saúde mental com violência, em uma reunião em que anunciou medidas para aumentar a segurança nas escolas. O petista, nesse caso, disse que pessoas que sofrem de deficiência intelectual têm “problemas de desequilíbrio de parafuso”. Um tipo de discurso considerado capacitista e condenado por boa parte da comunidade.
O apresentador Marcos Mion, que tem um filho no espectro autista, usou as redes sociais para esclarecer que a fala de Lula reforça o preconceito contra pessoas com deficiência intelectual.
“Irresponsavelmente, a fala dele liga deficientes intelectuais diretamente aos casos de violência que infelizmente temos visto acontecer. Isso é um absurdo, pois não há qualquer comprovação. Como pai de um autista, eu me sinto atingido”, disse Mion.
Preocupado com sua popularidade, o presidente, mais uma vez, escolheu o caminho fácil de apresentar um novo pedido de desculpa.
Durante as viagens ao exterior, o número de gafes aumenta. Duas falas de Lula sobre a guerra na Ucrânia provocaram controvérsia e puxões de orelha. Em entrevista coletiva quando visitava a Arábia Saudita, o petista atribuiu à Ucrânia, que foi invadida pela Rússia, responsabilidade pela guerra. Na China, disse acreditar que Estados Unidos e Europa estimulam a continuidade da guerra.
“É preciso que os Estados Unidos parem de incentivar a guerra e comecem a falar em paz. É preciso que a União Europeia pare de incentivar a guerra e comecem a falar em paz”, disse Lula.
Isso tudo sem falar nos números fora da realidade que, vira e mexe, o presidente dispara durante as entrevistas. Segundo ele, 700 milhões morreram, no Brasil, vítimas da Covid-19, num país que tem hoje, segundo o IBGE, 207 milhões de habitantes. Ou quando Lula falou, numa outra entrevista, que o Brasil precisa construir 187 milhões de casas populares.
De vergonha, em vergonha, o petista vai se aproximando cada vez mais da figura de Odorico Paraguaçu. Se esse é seu objetivo, o ideal seria copiar também outros sábios ensinamentos e “decorar os improvisos”.