Editorial
Não sabendo usar, vai faltar
O Ministério da Fazenda acredita que esse conjunto de operações vai permitir que 1,5 milhão de pessoas voltem a ter o nome limpo
Entra ano e sai ano, entra governo e sai governo e o brasileiro só tem uma certeza: mais dia, menos dia, e vem um programa salvador para ajudar os inadimplentes. Enquanto isso, quem se esforçou, fez o dever de casa e até passou necessidade para manter as contas em dia não só fica sem benefício algum como vê parte de seus impostos serem usados para quitar a gastança dos outros.
É claro que muita gente acaba se afundando em dívidas por não ter, realmente, outra opção para sobreviver. Um desemprego inesperado, uma doença na família, a separação do casal, são fatores que acabam descontrolando e afundando o orçamento doméstico. Só que há uma grande parcela que não se preocupa mesmo com as contas no vermelho. São pessoas que sabem que, logo, logo, virá a tábua da salvação governamental.
Na atual administração federal essa ajudinha está recebendo o nome de Desenrola Brasil. O programa vai permitir uma ampla negociação de dívidas e, em alguns casos haverá até perdão total do débito. As regras dessa nova maravilha brasileira foram publicadas pelo Ministério da Fazenda no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira, 14. A portaria antecipa para amanhã o início das operações do Programa Emergencial de Renegociação de Dívidas de Pessoas Físicas Inadimplentes. Nessa primeira fase serão renegociadas as dívidas de pessoas com renda mensal de até R$ 20 mil.
Os acordos serão feitas diretamente entre bancos e clientes, mediante incentivo do governo para adesão das instituições financeiras, e valem para dívidas inscritas até 31 de dezembro de 2022 e que continuam ativas. O devedor terá prazo mínimo de 12 meses para pagamento.
A portaria esclarece que a habilitação de agentes financeiros no programa para a faixa 1 será realizada, em futuro próximo, por meio de uma plataforma operada pelo governo. Só que não foi definido um prazo para isso ocorrer. A tal plataforma ainda está em construção e só deve ficar pronta em setembro. É nessa fase que serão atendidas as pessoas da faixa 1, aquelas que tem renda mensal de até dois salários mínimos ou que estejam inscritas no Cadastro Único (CadÚnico). Nessa modalidade, poderão ser renegociadas dívidas de até R$ 5 mil, contraídas entre 1º de janeiro de 2019 e 31 de dezembro de 2022.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ressaltou em entrevista na sexta-feira que os bancos que aderirem ao programa vão ter que perdoar as dívidas de até R$ 100 e promover uma série de leilões de descontos para os negativados. Em contrapartida, essas negociações entre devedores e bancos serão garantidas pelo Tesouro Nacional. Isso significa que se o inadimplente não cumprir o acordo firmado com as instituições financeiras, o governo fica responsável por honrar o pagamento. No fundo, no fundo, o benefício acaba saindo do bolso de quem pagou corretamente os suas contas e impostos.
O Ministério da Fazenda acredita que esse conjunto de operações vai permitir que 1,5 milhão de pessoas voltem a ter o nome limpo, enquanto a renegociação de dívidas pode atingir cerca de 30 milhões de brasileiros. Apesar do otimismo de Haddad, sua companheira de Esplanada, Simone Tebet, do Planejamento e Orçamento, está preocupada com o custo do programa e afirmou que o país não comporta esse tipo de iniciativa todo os anos. Ela sabe que, em poucos meses, muitos desses beneficiados com o Desenrola estarão no vermelho novamente.
No campo privado, o presidente executivo do Bradesco, Octavio de Lazari Junior, demonstrou apreço pelo programa do governo. Graças a esse movimento, o banco dele vai se livrar de uma série de pepinos acumulados com o passar dos anos. Ele sabe que vai ter que abrir mão de uma fatia do valor da dívida, mas, em contrapartida, terá garantindo o pagamento da maior parcela dos débitos que tem em carteira. Para Lazari, o programa é tempestivo e oportuno, pois impacta diretamente uma enorme massa de pessoas que perderam condições de consumo pelo endividamento e dificuldades de honrar essas dívidas.
A lógica das instituições bancárias e do mercado financeiro é essa. Quanto mais gente apta para gastar, melhor. Ainda mais num país onde os juros, independentemente da ação do Banco Central, sempre ficam nas alturas. Resta saber por quantos meses, quem tem o hábito de viver na inadimplência vai conseguir permanecer com o nome limpo na praça e até que ponto essa nova chance dada pelo governo, usando o dinheiro de nossos impostos, vai servir para educar, financeiramente, boa parcela do povo brasileiro.