Editorial
A bola está agora com o Senado
O Planalto nunca havia manuseado um volume tão grande de emendas Pix desde que o modelo foi criado, há quatro anos
A Câmara dos Deputados aprovou, na noite de quinta-feira (6), o texto base da Reforma Tributária. O Projeto de Emenda à Constituição (PEC) vai agora para o Senado. Lá o tema deve começar a ser debatido em agosto, depois do recesso parlamentar. O tempo que o assunto vai levar para percorrer as comissões da Casa Revisora ainda é uma incógnita. Não se sabe também que tipo de alterações podem ser incluídas.
A Reforma Tributária sempre foi um tabu no meio legislativo. Apesar de todos reconhecerem a necessidade, ninguém queria colocar a mão nesse vespeiro. O que todos sabiam é que o Brasil tem um dos mais intrincados sistemas tributários do mundo e isso atrapalha a competitividade de nossas empresas, dificulta a criação e empregos e, por conseguinte, freia o crescimento do País. O único problema é que o texto votado na Câmara não deixa claro se todas essas questões estarão resolvidas com a aprovação da reforma.
O problema começa na forma como tudo foi feito. A grande maioria dos deputados que votou a favor sequer conhece o texto final da PEC. O próprio relator, deputado Aguinaldo Ribeiro, reconheceu, diante das câmeras, em plenário que a versão que seria votada minutos depois ainda estava sendo elaborada. Como um assunto tão vital para o futuro do Brasil é tratado dessa maneira é a pergunta que fica para quem assistiu a sessão que aprovou o texto.
Uma explicação pode ser encontrada fora das paredes da Câmara dos Deputados. O Governo Federal liberou, só esta semana, mais de R$ 7 bilhões em emendas parlamentares. Dinheiro que vai irrigar as bases eleitorais, os Estados e as prefeituras de cada um de nossos representantes eleitos.
Só na quarta-feira, véspera da votação, o governo do presidente Lula liberou o pagamento de R$ 5,3 bilhões em emendas Pix. Esse tipo de recurso é indicado por deputados e senadores e enviado por Estados e municípios sem transparência e fiscalização. Com a decisão tomada nos bastidores do Palácio do Planalto, o dinheiro está pronto para cair na conta das prefeituras e governos estaduais.
Para se ter uma ideia, essa foi a maior liberação de emendas em um único dia do ano. Fora isso, o Planalto nunca havia manuseado um volume tão grande de emendas Pix desde que o modelo foi criado, há quatro anos. A transferência dribla os órgãos de controle e não é fiscalizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O modelo caiu na graça dos parlamentares e subiu de R$ 621 milhões em 2020 para R$ 7 bilhões neste ano, turbinado após o fim do orçamento secreto.
A liberação ocorreu em mais um momento de desespero do Governo. Ainda sem ter construído uma base sólida no Congresso, Lula usa as verbas públicas para convencer os parlamentares a votar projetos que são de seu interesse. A cada pleito, a conta cresce e é o cidadão que acaba, com seus impostos, custeando as manobras políticas em Brasília.
De costas para a parede, encurralado, o Governo foi obrigado a liberar um caminhão de dinheiro, para deputados de todos os partidos, sem exceção, com o objetivo de garantir não só a provação da Reforma Tributária, mas também para fazer andar outros dois projetos: o voto de qualidade no Carf e o arcabouço fiscal, que voltou com muitas alterações da votação no Senado. Além das verbas liberadas, os partidos que comandam o Centrão exigem cada vez maior participação nos ministérios e em cargos-chave da administração federal. A ministra do Turismo, Daniela Carneiro, sabe bem o que é isso. No mesmo dia da votação da reforma, precisou entregar o cargo para que fosse ocupado por um futuro aliado do presidente.
O Brasil precisa de uma reforma tributária. Isso ninguém questiona. Só que a forma como essa aprovação foi conduzida envergonha boa parcela da população. Como confiar na seriedade de um texto que sequer foi lido pelos parlamentares e que deixou de lado, para discussão em lei complementar, temas tão delicados que podem mexer com a vida e o bolso de milhões de brasileiros.
A bola está agora com o Senado. A expectativa é que, nos próximos meses, o texto aprovado pelos deputados possa ser devidamente discutido e avaliado pela sociedade e que as arestas produzidas pelo açodamento do trâmite na Câmara sejam devidamente aparadas, pelo bem do Brasil.