Editorial
A Europa está sentada num barril de pólvora
A situação ficou tão grave que o governo francês já estuda restrições severas às redes sociais e à internet em casos semelhantes
As últimas semanas têm sido de intensos combates e troca de acusações entre muçulmanos e não muçulmanos. Os problemas se concentraram principalmente na Suécia, na França e em Israel.
A situação mais caótica, sem sombra de dúvida, tomou conta do território francês. O país, por ter colonizado várias nações no Norte de África, virou o lar de milhões de muçulmanos. O número de imigrantes não para de crescer e as divergências religiosas e nos costumes ficam cada vez mais evidentes.
Toda essa tensão acabou explodindo, na semana passada, depois que um jovem de 17 anos foi morto pela polícia depois de furar uma barreira de fiscalização. A revolta muçulmana tomou conta das ruas das cidades francesas provocando agressões, destruição e um caos geral.
A situação ficou tão grave que o governo francês já estuda restrições severas às redes sociais e à internet em casos semelhantes. Uma afronta à democracia e a um país que sempre pregou igualdade, fraternidade e liberdade. Emmanuel Macron defendeu, na quarta-feira (5), a “suspensão” de algumas das funções das redes sociais e descartou querer aplicar um “apagão geral” em caso de distúrbios. A posição mais amena veio horas depois do próprio presidente ter aventado “regulamentar ou cortar” as redes sociais nos casos mais extremos.
“Devemos refletir sobre o uso dessas redes entre os mais novos, nas famílias, na escola, sobre as proibições que devemos adotar”, afirmou Macron.
A classe política francesa detonou o posicionamento de Macron. “Cortar o acesso às redes sociais? Como China, Irã, Coreia do Norte?”, disse o deputado de direita Olivier Marleix. “OK Kim Jong Un”, afirmou ironicamente a deputada de esquerda Mathilde Panot. Diante desse quadro, que uniu os extremos do país, só restou ao presidente enfiar a viola no saco e procurar uma outra solução para evitar conflitos futuros.
Já a Suécia está sofrendo pelo excesso de liberdade e de democracia. A polícia do país autorizou que um manifestante destruísse um exemplar do Alcorão em frente à maior mesquita de Estocolmo. O refugiado iraniano, Salwan Momika, exagerou no protesto. Pisou sobre o livro sagrado dos muçulmanos e adicionou fatias de bacon entre as páginas do exemplar antes de queimá-lo. Um insulto incomensurável para toda a comunidade islâmica.
A permissão oficial do governo sueco para a manifestação gerou indignação principalmente no mundo árabe. E dificultou, ainda mais as relações com a Turquia, país que detém, o poder de vetar a entrada na Suécia na Otan.
O que pode parecer um simples protesto de um indivíduo, se transformou numa crise internacional a ponto do Conselho de Direitos Humanos da ONU convocar uma reunião para discutir o assunto. O encontro foi pedido pelo Paquistão em nome de vários membros da Organização de Cooperação Islâmica e deve debater o “aumento alarmante de atos premeditados e públicos de ódio religioso, que se manifestam pela profanação atual do Alcorão em vários países da Europa e em outros lugares”, disse o porta-voz do conselho, Pascal Sim.
Enquanto a situação se desenvolve de forma preocupante na Europa, Israel aproveitou o momento para atacar a cidade de Jenin, na Cisjordânia ocupada. Durante a operação, doze palestinos morreram. Em represália, aos atos do exército israelense, um morador da área ocupada atropelou sete pessoas em Tel Aviv. Depois do ataque, o agressor foi morto por civis.
A aceitação dos muçulmanos no mundo atual fica cada vez mais complicada. À medida que a sociedade de diversos países libera comportamentos que ferem às regras religiosas deles, o abismo aumenta e a situação piora. Os atos registrados na França, nos últimos dias, não se restringem à morte de um único jovem. Isso tudo é o resultado da explosão de um barril de pólvora que há muito tempo vem sendo acumulado. Para piorar a situação, outros tantos estão espalhados pela Europa à espera de uma fagulha para também explodir.
Vai ser necessária muita negociação e conversa internacional para se buscar um entendimento que consiga atrasar, ao máximo, a detonação desses conflitos. A esperança é que essa solução não venha atrelada à perda de direitos civis, de democracia e de liberdade de expressão como sugeriu, num arroubo autoritário, o presidente francês, Emmanuel Macron.