Editorial
O choro é livre
O comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) deixa claro que ainda há muito risco inflacionário no País
A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom), ligado ao Banco Central, de manter a taxa Selic em 13,75% ao ano, anunciada na noite de quarta-feira (21), mexeu com o humor de muita gente, principalmente com o do presidente Lula, em viagem à Itália. Os números mais recentes da economia criaram, em algumas pessoas, a esperança que já fosse possível sonhar com uma queda, mesmo que pequena. Não foi o que aconteceu e ainda vai ser preciso mostrar muito serviço até a nova reunião, marcada para agosto.
Um dos fatores que exigem extrema cautela dos técnicos do Banco Central é o arcabouço fiscal, substituto do teto de gastos. Se na votação, na Câmara dos Deputados, houve uma certa preocupação em impor limites à gastança do Governo Federal, fechando diversas torneiras, o mesmo não ocorreu no Senado. Bilhões foram tirados das regras de controle de gastos e a sensação é que cresceu a possibilidade de a dívida pública aumentar de forma incalculável. Se o texto da Câmara tivesse sido mantido pelos senadores, já se teria uma definição sobre o assunto. Como optaram por aumentar a bagunça, agora a discussão volta para o colo dos deputados capitaneados por Arthur Lira. E começa um novo embate na troca de votos por verbas.
Sem que o arcabouço fiscal esteja bem delineado, o Banco Central prefere trabalhar com toda a cautela do mundo. A confusão, nesse caso, foi da própria base governista, que optou por mexer de forma irresponsável naquilo que já estava acordado.
O comunicado do Copom deixa claro que ainda há muito risco inflacionário no País. A autoridade monetária preferiu indicar que os seus próximos passos dependerão da evolução das expectativas de inflação, da inflação corrente e da atividade econômica. Sem que tudo esteja dentro do compasso, os juros permanecerão no mesmo patamar. A preocupação é grande também com os próximos passos do Conselho Monetário Nacional (CMN). Se as metas de inflação forem alteradas, ou abandonadas, a desconfiança na economia brasileira pode aumentar. No início do ano, por conta dos juros altos, muitos membros do governo Lula discutiram a possibilidade de mudar a meta, para um patamar mais alto, para facilitar a queda da Selic. Mas especialistas sempre defenderam que essa saída poderia ter um efeito contrário: metas de inflação mais altas poderiam trazer a percepção de um BC mais “frouxo”, piorando as expectativas em relação aos preços futuros e até dificultando a queda das taxas de juros. Essa discussão sobre a mudança das metas acabou perdendo força, e a mudança que pode acontecer na reunião do CMN da próxima semana é a mudança de como a meta é perseguida. Atualmente, o BC precisa cumprir a meta dentro do ano-calendário -- ou seja, precisa chegar a dezembro com a inflação dentro da meta, mesmo que durante todo o ano tenha ficado fora dos parâmetros. A ideia em discussão é adotar uma meta continua, válida durante todo o tempo. Ou seja, o BC precisaria se preocupar com o alvo da meta no acumulado em 12 meses, o tempo todo. Essa mudança mudaria a forma de agir do Banco Central.
Enquanto nada muda, parafraseando a jornalista Maju Coutinho da TV Globo, “o choro é livre”. E é isso que o presidente Lula tem feito nos últimos meses. Chorado em vez de mostrar capacidade para resolver os problemas do País. Em mais uma viagem internacional, agora para a Itália (de onde foi para a França), Lula considerou a decisão do Copom “irracional” e disse que a direção do Banco Central joga contra os interesses do País. Ele reclamou, ainda, que ninguém no Brasil está tomando crédito porque a sociedade não consegue pagar. Lula pediu ao Senado a cabeça do presidente do Banco Central. O presidente da República quer que os senadores que autorizaram a indicação de Campos Neto ao BC durante o governo passado agora tomem providências.
Lula tem enorme dificuldade em conviver com a independência do Banco Central. Esquece que essa medida reforça a democracia no País uma vez que impede a ação de governantes perdulários e populistas que não se preocupam em organizar as contas públicas. O petista, que não consegue modernizar seu discurso e seus atos, esperneia sem parar a cada reunião do Copom. O presidente da República, se agisse como tal, deveria estar agora debruçado sobre a ata do Copom, refazendo milhares de cálculos e recalibrando as estimativas de gastos para saber como equacionar melhor a dívida do Brasil e não se preparando para desfilar com a nova primeira-dama pelas ruas de Paris.