Editorial
Tapa sem luva de pelica
O que os parlamentares ligados ao governo estão fazendo nas sessões da Comissão é um "tapa na cara da opinião pública"

A verdade sobre os fatos ocorridos em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023, pode nunca ser desvendada. Pior que isso, cidadãos inocentes correm o risco de ser condenados pela Justiça única e exclusivamente por ter participado de acampamentos reivindicando um Brasil melhor e mais justo.
A maioria dos integrantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), criada pelo Congresso Nacional para esclarecer o que de fato ocorreu, está mais preocupada em proteger os amigos do Palácio do Planalto do que prestar contas à sociedade.
Essa afirmação não é mera especulação. A tese foi levantada pelo próprio presidente da CPMI, deputado Arthur Maia. Segundo afirmações dele próprio, o que os parlamentares ligados ao governo estão fazendo nas sessões da Comissão é um “tapa na cara da opinião pública”.
Maia está bastante contrariado com o rumo das investigações e pretende pressionar a base do presidente Lula no colegiado. A gota d’água foi a manobra feita pelos governistas que rejeitou a convocação de todos os aliados do presidente, com algum envolvimento nos atos de 8 de janeiro, e que aprovou a oitiva de várias pessoas ligadas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
O presidente da CPMI posicionou-se frontalmente contra esse tipo de atuação. “Independente de ser governistas ou oposicionistas, nós temos um discurso para apresentar para o Brasil e não há como você, com seriedade, tratar desse assunto ouvindo apenas as pessoas que interessam aos deputados governistas. Isso é uma falta de bom senso, é um tapa na cara da opinião pública e eu, enquanto presidente, me sinto absolutamente constrangido com essa situação”, disse Maia em entrevista ao jornal O Estado de São Paulo.
O deputado está preocupado com a criação de uma narrativa única, sem chance para o contraditório, e impedindo que outros indícios de irregularidades cometidas sejam apurados. Sem isenção, qualquer relatório produzido por essa CPMI será considerado uma farsa.
O Governo Federal tem muito a explicar sobre os fatos ocorridos no dia 8 de janeiro. Autoridades vitais para a manutenção da segurança em Brasília preferiram ver o circo pegar fogo a assumir as responsabilidades que lhes cabiam.
O próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, afirmou que assistiu a toda a movimentação, ao vivo, da janela de seu gabinete. A atitude do ministro lembra muito a do imperador Nero, que viu Roma pegar fogo para seu próprio deleite.
A CPMI tem de investigar a fundo também o jogo de esconde-esconde feito pelo Gabinete de Segurança Institucional com as imagens de dentro do Palácio do Planalto no dia dos tumultos. Num primeiro momento, elas existiam, depois deixaram de existir, depois foram colocadas em sigilo e, se não tivessem vazado por uma emissora de televisão, estariam até agora acobertadas pelos funcionários públicos escolhidos por Lula.
Essas imagens, algumas estarrecedoras, mostram que houve facilitação de acesso ao prédio para alguns manifestantes. Fotógrafos de agências internacionais de notícia tiveram tempo até de ensaiar chutes em portas e outros atos de vandalismo com os invasores.
Militares chegaram a servir água e orientar o caminho a ser tomado pelos alegados “terroristas” durante os atos. A situação foi tão vergonhosa que custou o emprego do ministro Gonçalves Dias, do GSI, outro que tem escapado das convocações dos parlamentares.
Como se pode notar, em poucas frases, há muito a ser apurado pela CPMI. Atos cometidos por aliados do presidente que estão sendo, dia a dia, negligenciados e esquecidos por deputados e senadores.
A escolha da senadora Eliziane Gama, amiga e conterrânea do maranhense Flávio Dino, como relatora da CPMI já foi um grande sinal de que a intenção do governo seria transformar uma investigação que deveria ser séria e esclarecedora numa inquisição e perseguição a aliados de Bolsonaro. Sem sequer disfarçar, é essa posição que a nobre parlamentar está se sujeitando perante milhões de brasileiros.
O presidente da CPMI, Arthur Maia, prometeu reapresentar, em todas as sessões, os requerimentos que convocam pessoas ligadas a Lula. Ele pretende, com essa atitude, constranger a situação e buscar pelo menos um pouco de equilíbrio nos trabalhos de investigação.
A missão é árdua e a guerra não vai ser travada só no campo de batalha da Comissão. Outras tantas lutas vão acabar no plenário das duas casas legislativas, atravancando votações, debates e dificultando o andamento de projetos do Governo. É hora de Lula entregar alguns anéis para não perder todos os dedos. O que se deseja com essa CPMI é a apuração do que verdadeiramente ocorreu no dia 8 de janeiro.