Editorial
Menos dinheiro e mais despesas, a realidade das contas públicas
A administração federal se viu obrigada a publicar um decreto com o detalhamento do contingenciamento
O projeto de lei que pretende criar o Novo Arcabouço Fiscal está tramitando no Congresso Nacional. Depois de ser aprovado na Câmara dos Deputados, agora vai começar a percorrer sua trajetória de debates, análises e discussões no Senado. Enquanto as novas regras não estão valendo, o Governo é obrigado a seguir o que estipula a lei que criou o teto de gastos.
Por conta disso, a administração federal se viu obrigada a publicar um decreto com o detalhamento do contingenciamento de R$ 1,7 bilhão, necessário para o cumprimento do teto de gastos. O texto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União da terça-feira, 30. Por decisão do Palácio do Planalto, as pastas mais afetadas pelos cortes são Cidades e Transportes.
O Ministério das Cidades teve o maior valor bloqueado: R$ 691,3 milhões, seguido do Ministério de Transportes, com R$ 602,1 milhões. Também tiveram recursos retidos as pastas do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (R$ 118,2 milhões); Integração e Desenvolvimento Regional (R$ 96,1 milhões); Fazenda (R$ 93,2 milhões) e Planejamento e Orçamento (R$ 88,4 milhões).
No relatório bimestral, divulgado em março, os técnicos usaram alguns malabarismos contábeis para evitar o contingenciamento já nos primeiros meses do Governo Lula. A manobra foi descoberta e denunciada e, depois de uma série de desculpas esfarrapadas, acabou prevalecendo a verdade. Depois da correção da rota, ficou clara a necessidade de se promover esse bloqueio no orçamento.
A ministra do Planejamento, Simone Tebet, evitou incluir nos cortes ministérios com orçamentos menores e também as pastas de Educação ou Saúde. Ela também frisou que se trata de um bloqueio temporário, que pode ser revisto nos outros relatórios. A maior expectativa é que o Novo Arcabouço Fiscal, quando aprovado e sancionado, evite esse tipo de freio à gastança promovida pelos tantos ministérios criados por Lula.
Só que a matemática não mente e o Governo sabe que está enfrentando queda na arrecadação e que, se a economia do País continuar nesse ritmo, vai ser impossível fechar as contas, mesmo considerando o rombo já previsto pela Fazenda. O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas do 2º bimestre, divulgado na semana passada, mostrou uma queda na projeção para as receitas primárias totais da União de R$ 2,375 trilhões para R$ 2,367 trilhões, uma diferença de R$ 8 bilhões. Enquanto as receitas caem, as despesas aumentam. A previsão de gasto total em 2023 passou de R$ 2,023 trilhões para R$ 2,047 trilhões, uma alta de R$ 24 bilhões. Se as contas públicas seguirem esse ritmo, esse buraco de R$ 32 bilhões já detectado pode crescer, e muito, até dezembro. Isso tudo tem que ser levado em consideração na troca de regimes, para evitar que o País mergulhe num buraco ainda maior que os R$ 231 bilhões negativos esperado pelo Governo.
Nesse momento, o projeto do Novo Arcabouço Fiscal (NAF) está em análise na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, tendo como relator Omar Aziz (PSD-AM). Apesar de ser um aliado de primeira hora de Lula, Aziz também representa um grupo bastante interessado em extrair o máximo de vantagens políticas na hora de aprovar cada projeto. Como o Governo não conta com uma base sólida no Parlamento, as regras do jogo sempre ficam mais complexas. E podem piorar ainda mais se o texto for alterado pelos senadores, aí tudo volta para nova apreciação dos deputados.
Sem poder ter certeza dos prazos de tramitação do projeto, Lula vai ter que continuar respeitando as regras do teto de gastos. Novos contingenciamentos podem surgir nas próximas semanas, um desgaste extra para a imagem do presidente que completou apenas cinco meses de mandato.
Nesse curto período, o presidente sofreu tantos reveses no Congresso que sua paciência já mostra sinais de estar perto do fim.
Ao ser eleito por pequena margem de votos, num País bastante dividido e com um Congresso predominantemente de centro-direita, o petista nunca experimentou tantos dissabores como agora. Resta saber como ele vai se equilibrar nessa corda bamba que a realidade lhe impõe.