Editorial
Segurança alimentar X aquecimento global
De um lado a necessidade de produzir mais alimentos e num preço acessível, de outro o clima reagindo e dificultando essa missão
Produzir e distribuir alimentos suficientes para matar a fome da população mundial é um dos principais assuntos discutidos pelos países mais ricos do mundo no encontro que está sendo realizado em Hiroshima, no Japão. Chefes de Estado de 14 países, incluindo o Brasil, assinaram uma declaração conjunta com propostas para garantir a segurança alimentar no planeta.
O documento, batizado de “Declaração de Ações de Hiroshima para a Segurança Alimentar Resiliente” é um compromisso, firmado entre esses países, de adotar ações que possibilitem erradicar a fome no mundo, com a oferta de alimentos nutritivos, baratos e seguros e que sejam provenientes de sistemas agrícolas resilientes, sustentáveis e inclusivos.
Os participantes da cúpula avaliam que a segurança alimentar global está ameaçada no curto prazo, especialmente pelos efeitos da pandemia de Covid-19, os preços internacionais de energia, alimentos e fertilizantes, os impactos das mudanças climáticas e os conflitos como a guerra da Ucrânia.
A proposta vem na mesma semana que a ONU lançou um alerta. Segundo estudos feitos pelas Nações Unidas, o período que vai de 2023 a 2027 muito provavelmente será o mais quente já registrado na história, devido ao impacto dos gases do efeito estufa e da ação do El Niño. Estes dois fenômenos somados estão provocando o aumento significativo das temperaturas e mexendo com o regime de chuvas em várias áreas do planeta.
O Cone Sul do nosso Continente é uma das regiões que mais tem sofrido os efeitos dessa alteração climática. Os agricultores do Rio Grande do Sul, por exemplo, perderam boa parte das lavouras plantadas neste ano. A produção agrícola nacional poderia ter sido bem maior se não fosse essa quebra registrada principalmente em lavouras de soja e arroz. Vários municípios enfrentam também o racionamento de água. Esse tipo de problema vem sendo registrado, cada vez com mais frequência, nas últimas décadas.
O Uruguai, nosso país vizinho do Sul, enfrenta o mesmo drama. Vários córregos e rios secaram e os agricultores estão precisando usar fontes de água salgada para irrigar as lavouras. Há três anos eles convivem com essa seca. O Uruguai registrou o pior déficit hídrico desde o começo das medições, há 74 anos, segundo dados oficiais. A situação é tão grave que a estiagem ameaça o fornecimento de água potável em Montevidéu e região metropolitana, onde vive cerca de 1,8 milhão de pessoas, mais da metade da população do país. O governo busca saídas para contornar o problema, mas a chance de se encontrar uma solução de curto prazo é praticamente improvável.
O que os moradores do sul da América do Sul estão enfrentando confirma a preocupação levantada pela ONU. A Organização Meteorológica Mundial (OMM), organismo especializado das Nações Unidas, calcula em 66% a probabilidade de que a temperatura média anual da superfície da Terra supere em 1,5°C os níveis pré-industriais.
Os dados publicados na quarta-feira (17), “não significam que vamos superar de forma permanente a barreira de 1,5°C do Acordo de Paris, que se refere a um aquecimento a longo prazo sobre vários anos”, destacou o secretário-geral da OMM, Petteri Taalas.
Para piorar o quadro, a chegada do El Niño, nos próximos meses, deve agravar a situação em algumas regiões do planeta. As áreas atingidas por esse fenômeno climático natural devem registrar aumento das temperaturas e seca intensa, o que dificulta a produção agropecuária.
O dilema que os países vivem é exatamente esse. De um lado a necessidade de produzir mais alimentos e num preço acessível, de outro o clima reagindo e dificultando essa missão. O documento assinado neste sábado (20), em Hiroshima, pelos principais líderes globais traz muitos compromissos e promessas, só resta saber se elas produzirão efeito antes que a escassez de alimentos e de água ceife a vida de milhares de pessoas que habitam as comunidades menos privilegiadas.