Editorial
Um balde de água fria na censura
Vai ser estranho o Brasil adotar, sem um debate mais amplo, uma posição contrária ao que pensa a nação mais democrática do planeta
A Suprema Corte dos Estados Unidos deu um passo importante para garantir a liberdade de expressão, tão atacada nos últimos tempos.
Num julgamento encerrado na quinta-feira (18), os magistrados decidiram que as plataformas que hospedam as redes sociais não podem ser responsabilizadas por publicações feitas por seus usuários.
A posição da Suprema Corte joga um balde de água fria na cabeça daqueles que tanto têm defendido a limitação dos direitos individuais.
Os apoiadores dessas teses, calcadas em censura prévia, exigem que as “big techs” sejam punidas e multadas se não retirarem posts considerados ofensivos à sociedade.
A definição do que é prejudicial para a comunidade seria determinada por um grupo ligado ao governo de plantão.
Um risco e tanto à democracia já que abre a possibilidade de perseguição a grupos que não compactuem com os ideais defendidos por A ou B.
O risco aumenta quando o próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, é gravado ameaçando os representantes das plataformas no Brasil. Dino deixou claro que a liberdade de expressão vai ser controlada pelo governo. Um vídeo feito nessa reunião dá a dimensão do perigo que o Brasil está prestes a enfrentar.
“Esse tempo da autorregulação, da ausência de regulação, da liberdade de expressão como um valor absoluto, que é uma fraude, que é uma falcatrua, esse tempo acabou no Brasil. Acabou! Isso foi sepultado. Tenham clareza definitiva disso”, disse, em tom ameaçador, o ministro da Justiça a empresários.
Essa declaração, por si só, deveria ser suficiente para que o Congresso Nacional sepultasse qualquer projeto que pretende tolher os direitos individuais. De quebra, o ministro deveria ter perdido o cargo.
Infelizmente, não é essa nossa realidade, e pessoas que pensam como o ministro, e com poder de voto no Supremo Tribunal Federal (STF), não esperam a hora de ver o Brasil se transformar num país onde a liberdade de expressão e o direito à informação podem ser cerceados por ordem de uma autoridade governamental.
A posição da Suprema Corte dos Estados Unidos pode ajudar a frear esse movimento que defende a censura.
Dessa vez, a maior Corte americana pronunciou-se sobre dois casos separados. No primeiro, os pais de uma jovem morta nos ataques de novembro de 2015 em Paris apresentaram uma denúncia contra o Google, acusando-o de ter apoiado o crescimento do Estado Islâmico por sugerir no YouTube seus vídeos para alguns usuários.
No segundo, os familiares de uma vítima de um atentado em uma boate de Istambul, em 1º de janeiro de 2017, acreditavam que Facebook, Twitter e Google poderiam ser considerados “cúmplices” do atentado, pois seus esforços para retirar conteúdos terroristas não foram “vigorosos” o suficiente.
Segundo os magistrados, as plataformas não “ajudaram, nem encorajaram” os ataques terroristas do Estado Islâmico, ao abrigarem mensagens de apoio ao grupo extremista.
Diz a decisão que “o fato de que alguns atores malignos tenham se aproveitado dessas plataformas não é suficiente para afirmar que os acusados prestaram, conscientemente, assistência substancial e, portanto, ajudaram e instigaram os atos desses malfeitores”, avaliou o Supremo dos EUA.
A Associação de Indústria de Computação e Comunicações, que representa as empresas tecnológicas americanas, considerou a decisão uma boa notícia.
“A Corte reconheceu corretamente a posição delicada desses casos e se negou a reescrever um princípio chave da lei de internet dos Estados Unidos, preservando a liberdade de expressão on-line e uma economia digital próspera”, declarou Matt Schruers, presidente da associação.
O caso americano pode ajudar a alterar o ritmo da discussão sobre o mesmo tema aqui no Brasil. Vai ser estranho o país adotar, sem um debate mais amplo, uma posição contrária ao que pensa a nação mais democrática do planeta.
Além disso, o posicionamento da Suprema Corte deixa as “big techs” numa situação muito mais confortável para confrontar atitudes pouco democráticas de países de menor expressão financeira.
Se o Brasil insistir na regulação excessiva das plataformas e em multas vultosas, corremos o risco de enfrentar um apagão das redes sociais, com as principais empresas deixando de operar por aqui. Aí o problema vai ser bem maior.