Editorial
Só falta combinar com os russos
O novo governo chegou mais preocupado em gastar e em aumentar a dívida pública do que em resolver os problemas estruturais
Inconformado com a independência do Banco Central (BC), que insiste em manter a taxa básica de juros em 13,75% contra a vontade do presidente, o governo Lula tenta usar todas as suas armas para tentar reduzir, na marra, a Selic, sem se preocupar com que isso pode causar à economia do país como um todo.
A nova cartada do governo foi anunciada nesta segunda-feira (8) pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Ele indicou dois homens de sua extrema confiança para compor diretorias vagas do Banco Central. Um deles é Gabriel Galípolo, atualmente secretário-executivo no ministério comandado por Haddad. Ele, se tiver o nome aprovado pelo Senado, deve ocupar a diretoria de Política Monetária.
Para a outra diretoria, a de Fiscalização, a escolha do governo foi de Ailton Aquino, atual chefe do Departamento de Contabilidade, Orçamento e Execução Financeira, ligado à diretoria de Administração do BC.
Com essas trocas, o governo pretende ganhar força no Comitê de Política Monetária (Copom) e, com isso, acelerar a queda dos juros, uma obsessão para Lula.
Só que os ataques que o presidente faz ao BC e as tentativas de modificar artificialmente a política monetária do país estão surtindo efeito contrário e não prejudicam apenas os números do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano, como também já maculam os de 2024.
O Boletim Focus, divulgado nesta segunda-feira (8), mostrou uma certa estabilidade nas projeções de crescimento econômico para este ano. Os principais analistas de mercado mantiveram a expectativa num crescimento de 1%, um resultado bastante pífio.]
Já para 2024, o mesmo relatório aponta queda na estimativa de crescimento do PIB, de 1,44% para 1,37%. Se esses dados se confirmarem, o governo Lula terá, somados dois anos de mandato, resultado pior que o último ano de Jair Bolsonaro. Uma vergonha e tanto para quem prometeu mundos e fundos para os brasileiros.
Um conjunto de fatores explica o atual momento do Brasil. O novo governo chegou mais preocupado em gastar e em aumentar a dívida pública do que em resolver os problemas estruturais que o país enfrenta há tempos. O fim do teto de gastos é uma prova disso.
O projeto do novo arcabouço fiscal, que está no Congresso para discussão, até promete um certo recuo nos gastos e alguns limites para os investimentos, atrelados sempre à arrecadação. Só que ao tirar completamente as punições para quem não cumprir as metas, o texto legal vai acabar sendo de pouquíssima valia. O mercado já percebeu isso.
O déficit nominal para este ano deve ficar em quase 8%. Isso significa que o país vai gastar mais do que arrecada, aumentando a dívida pública. Os economistas estimam que o déficit em conta corrente do balanço de pagamentos para 2023 fique na casa dos US$ 47,70 bilhões. E esse número deve subir, em 2024, para US$ 52,25 bilhões. Se a economia não reagir, a situação pode piorar ainda mais.
Com relação à taxa de juros, o mercado aguarda a primeira redução em setembro. Embora o relatório do Copom de maio tenha deixado claro que isso só deve ocorrer mais para o fim do ano.
Na terceira reunião do Comitê no governo Lula, o colegiado afirmou que a apresentação do arcabouço fiscal reduziu parte da incerteza, mas que a conjuntura é marcada por um processo de desinflação que tende a ser lento em meio às expectativas de inflação que ainda tendem para alta. Segundo o colegiado atual, esse contexto demanda maior atenção na condução da política monetária.
O BC ainda repetiu que vai continuar vigilante, avaliando se a estratégia de manutenção da taxa Selic por período prolongado será capaz de assegurar a convergência da inflação à meta. Mas acrescentou que o cenário de retomada da alta de juros é menos provável, embora garanta que não hesitará em tomar esse caminho caso o processo de desinflação não ocorra como o esperado.
Com as mudanças no colegiado, anunciadas por Fernando Haddad, a intenção do governo é virar esse jogo o quanto antes. Com dois aliados presentes nas reuniões que definem a Selic, Lula pretende mudar o resultado do Copom o quanto antes e reduzir a força de Roberto Campos Neto, atual presidente do BC.
Só resta saber se o resto do mundo vai conspirar a favor do governo e criar um ambiente favorável a essa redução. Sem combinar com os russos, fica difícil acreditar que esse plano dê certo.