Editorial
Missão quase impossível
Charles III assume o trono num momento de grande crise econômica na Inglaterra
O Reino Unido vai parar, neste sábado (6), para a coroação de Charles III. Até as partidas de futebol foram adiadas em respeito ao rei. Os olhos do mundo todo também estarão voltados para Londres, onde a cerimônia ocorrerá. Chefes de Estado e representantes de várias nações vão presenciar o evento. Tradição não vai faltar.
Charles esperou muito por esse momento. Sua mãe, a rainha Elizabeth II, foi uma das mais longevas monarcas da história da humanidade e ele aguardou, pacientemente, a sua vez de reinar. O novo rei, de cara, vai ter de lidar com a reação dos súditos, uma vez que a empatia não é seu forte. Ele até tem-se esforçado, apertando as mãos dos populares e tentando aproximar-se mais de seus governados, mas a tarefa não será fácil.
Charles III, aos 74 anos, é um dos integrantes mais impopulares da realeza britânica. Sempre foi considerado um tanto excêntrico e cheio de manias. Algumas de suas posições contrariavam, fortemente, a imagem mais austera de sua mãe.
Muito da sua impopularidade vem do tempo em que era casado com a princesa Diana, esta sim amada pelos ingleses. Nas brigas do casal, até a separação, a opinião pública sempre pendia para o lado dela. O casal separou-se em 1992 e divorciou-se em 1996.
Naquela época, Charles já mantinha uma relação com Camilla Parker Bowles, uma paixão antiga dos tempos da juventude. A relação dos dois ganhou destaque, várias vezes, nas capas dos tabloides de fofoca da Inglaterra. Um verdadeiro escândalo criou-se quando a imprensa divulgou as apaixonadas e quentes conversas íntimas por telefone que os dois trocavam constantemente.
Após a morte de Diana em um acidente de trânsito, em Paris, no ano de 1997, Charles precisou de uma grande campanha de relações públicas para superar o elevado índice de impopularidade. Só com o passar dos anos e com a entrada em cena dos filhos, William e Harry, é que as coisas começaram a melhorar um pouco para o futuro monarca.
Em 2005, Charles levou Camilla de vez para a sua vida. O casamento fez a alegria dele, mas gerou uma certa desconfiança entre os britânicos, uma vez que ela sempre foi considerada a responsável pelo fracasso do matrimônio com Diana.
Aos poucos, Camilla foi ganhando a simpatia de uma parcela da população. A própria rainha Elizabeth II expressou o “desejo sincero” de que, quando Charles ascendesse ao trono, Camilla fosse reconhecida como “rainha consorte”, em vez de princesa.
Camilla tem um longo histórico de engajamento em lutas sociais. Há vários anos, ela defende as vítimas de estupro e agressões sexuais. Outros temas de seus interesses são a saúde, as artes e a literatura. Tem-se esforçado também em mostrar ao mundo a imagem moderna de uma família recomposta. A nova rainha incluiu seus filhos e netos na cerimônia de coroação, ao lado dos filhos e netos de Charles III, só não se sabe se essa “intromissão” na foto oficial da família real será vista com bons olhos pelos mais conservadores.
Outro problema que pode surgir é a presença, ou não, do filho mais novo de Charles, Harry, na coroação. Desde que decidiu abrir mão de suas atribuições familiares e foi praticamente banido da realeza, o comportamento do caçula tem gerado bastante apreensão. Harry confirmou presença no evento, mas não se sabe se ele realmente estará presente.
Charles III assume o trono num momento de grande crise econômica na Inglaterra. O custo de vida não para de subir, o descontentamento da população e as greves surgem nas mais diversas categorias profissionais e o governo encontra dificuldade para enfrentar o problema. Em menos de um ano, já foram duas trocas de primeiro-ministro. Diante desse cenário, o custo estimado de mais de R$ 630 milhões para a cerimônia de coroação tem deixado muita gente indignada e a imagem da realeza acaba manchada.
Com o passar dos anos, o poder do rei diminuiu muito e hoje é praticamente simbólico. É nesse mundo que Charles III reinará e tentará deixar sua marca. Uma missão difícil depois do legado de décadas de Elizabeth II.