Editorial
Onde há fumaça, há fogo
Se uns poucos minutos de imagens serviram para derrubar um ministro, imagine o que ocorrerá se todas as 160 horas de vídeos gravados vierem a público
Desde priscas eras há um ditado que diz “onde há fumaça, há fogo”. Em alguns casos, os sinais são tantos que nem é preciso olhar para o horizonte em busca dessa confirmação, o cheiro de queimado deixa o ar tão impregnado que fica até difícil respirar. As apurações do que de fato aconteceu no dia 8 de janeiro, marcado pelos protestos e invasões na praça dos Três Poderes, em Brasília, se encaixam perfeitamente nesse quadro.
Conclusões precipitadas foram tiradas aos montes, pessoas inocentes presas e mantidas encarceradas, um atropelo ao devido processo legal e uma tentativa de desviar o foco das mais estranhas situações que ocorreram naquela data. Só que aos poucos, o teatro vai se desmanchando e a verdade começa a surgir.
As imagens divulgadas na quarta-feira (18) pela CNN Brasil jogaram um pouco de luz nos bastidores do protesto e desnudaram a presença de um homem de confiança do presidente Lula circulando, tranquilamente, entre os manifestantes. Sim, o general Gonçalves Dias, ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) estava lá, no Palácio do Planalto, no momento da invasão. As gravações mostram que ele e alguns assessores chegaram a mostrar o caminho pelo qual deveriam seguir os “invasores”.
Bastou que as imagens fossem divulgadas por uma rede de televisão para que o general se demitisse do cargo. Vale lembrar que todo esse material, que já teria ajudado a esclarecer muito o que de fato aconteceu naquele dia, estava protegido por sigilo imposto pelo próprio presidente Lula. A história é tão controversa que num primeiro momento o Governo diz que não sabia que as imagens existiam e no outro as protegeu, evitando que fossem divulgadas. A pergunta que fica é por que impor sigilo sobre algo que não existe?
Mais de três meses se passaram desde o ocorrido na praça dos Três Poderes e até agora o general, que estava lá, não prestou depoimento à Polícia Federal que investiga o caso por determinação do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes. Só agora, depois que a denúncia foi feita, é que Moraes ordenou que Gonçalves Dias fosse ouvido.
Outro fato interessante nessa história é que o próprio GSI, em nota, disse que as imagens completas das câmeras do Planalto já estavam de posse da Polícia Federal há bastante tempo.
Enquanto Gonçalves Dias, que estava na hora e no local dos fatos, nunca foi questionado, um outro personagem, que nem no Brasil estava, é mantido preso por ordem de Alexandre Moraes.
Anderson Torres, ex-secretário de Segurança do Distrito Federal e ex-ministro da Justiça, foi detido no dia 14 de janeiro logo que pousou num aeroporto brasileiro vindo dos Estados Unidos. Ele é acusado de omissão por não ter impedido os atos ocorridos em Brasília, apesar de estar em férias, com a família, nas terras do Tio Sam. Sua casa foi vasculhada e até as aves que ele criava viraram motivo de investigação.
Torres já foi ouvido e pressionado várias vezes e pouca coisa revelou, mesmo assim é mantido preso, sem que represente qualquer perigo à sociedade, pelo simples fato de não ter previsto o que poderia ocorrer no dia 8 de janeiro.
Essa tortura psicológica toda, feita com Torres em busca de uma confissão que possa comprovar a teoria do golpe, já fez com que ele perdesse mais de 12 quilos na detenção e entrasse em estado de depressão.
Só que, aos poucos, o castelo de cartas construído para envolver os aliados de Bolsonaro na destruição dos prédios públicos começa a ruir. As imagens divulgadas pela CNN são constrangedoras para o atual governo, que fazia de tudo para impedir a instalação de uma CPMI que realmente investigasse os fatos ocorridos, da forma como realmente aconteceram.
Que o depoimento do general Gonçalves Dias ajude a Polícia Federal a elucidar ainda mais a participação de Lula, de Flávio Dino e de tantos outros aliados do presidente no dia 8 de janeiro. E que a CPMI seja instalada no dia 26 de abril e tenha liberdade para apurar tudo que precisa ser apurado. Se uns poucos minutos de imagens serviram para derrubar um ministro, imagine o que ocorrerá se todas as 160 horas de vídeos gravados vierem a público.
Diante desse cenário confuso, o presidente Lula decidiu antecipar sua viagem a Portugal. Ele partiu ontem à noite para Lisboa e decidiu se dar um “dia livre” para passear com a primeira-dama. Tudo, é claro, pago com o dinheiro dos contribuintes.