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Editorial

É preciso olhar para a saúde mental das crianças

Desde o início do ano 2000 até 2022, houve 16 ataques em escolas no Brasil (...) Além de 35 mortes, 72 pessoas ficaram feridas

29 de Março de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Com as férias escolares neste início de ano, as crianças passam mais tempo em casa, e os riscos de acidentes domésticos tendem a aumentar
Crianças devem ser acompanhadas e cuidadas desde pequenas (Crédito: Divulgação)

Existe um provérbio africano que diz ser necessário uma aldeia inteira para educar uma criança. O dito é antigo e coloca na sociedade como um todo a responsabilidade de cuidar dos pequenos, independente de ter vínculos biológicos ou afetivos com eles. Os tempos mudaram e as formas de cuidado também. É importante, então, que todos estejamos preparados para isto.

A saúde mental das crianças e adolescentes nunca poderia ter sido negligenciada. Mas ela foi. É o que mostram casos como o ataque realizado por um aluno de 13 anos na zona sul da capital paulista, na última segunda-feira (27). Uma professora foi morta e outras quatro pessoas, três docentes e um estudante, ficaram feridas.

Infelizmente, o ataque de segunda-feira não foi um caso isolado. Um relatório apresentado pelo governo federal em dezembro passado indica que 35 estudantes e professores tinham sido mortos em ataques a escolas no Brasil desde o início dos anos 2000. Antes disso, não há relatos de casos de violência extrema em escolas no País. A tabulação dos casos indica que, desde o início do ano 2000 até 2022, houve 16 ataques em escolas no Brasil, quatro deles no segundo semestre do ano passado. Além das 35 mortes, 72 pessoas ficaram feridas. Os números ainda não contabilizam a ocorrência desta semana.

Segundo o documento, os ataques praticados por alunos e ex-alunos “são normalmente associados ao bullying e situações prolongadas de exposição a processos violentos, incluindo negligências familiares, autoritarismo parental e conteúdo disseminado em redes sociais e aplicativos de trocas de mensagem”. O documento afirma que os profissionais da educação precisam ser formados para identificar alterações de comportamento dos jovens e fatores psicológicos. Cita ainda que é preciso ficar atento a “interesse incomum por assuntos violentos e atitudes violentas, recusa de falar com professoras e gestoras mulheres, agressividade e uso de expressões discriminatórias e exaltação a ataques em ambientes educacionais ou religiosos”.

Mas nem só aos pais e educadores dirige-se o documento. O texto defende um trabalho pedagógico em educação crítica da mídia e de combate à desinformação, além da presença permanente de um psicólogo nas escolas para acompanhar de perto o desenvolvimento emocional dos estudantes.

Telma Vinha, que pesquisa violência nas escolas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), diz que não há política pública no Brasil para prevenir ataques. “Vai acontecer de novo, só não se sabe onde.” A especialista alerta que a prevenção vai muito além do aconselhamento para que pais acompanhem a vida dos filhos na internet. Destacando a imaturidade emocional dos pequenos, a especialista defende ser preciso fortalecer e ampliar serviços de saúde mental para as crianças.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), é estimado que 14% da população do mundo entre 10 e 19 anos possui alguma condição que prejudica sua saúde mental. Isso significa que um em cada sete adolescentes convive com algum transtorno mental no dia a dia. No entanto, boa parte não recebeu um diagnóstico e convive com essa condição diariamente. Devido à desinformação, crianças e adolescentes com transtornos mentais podem estar vulneráveis à exclusão social, dificuldades educacionais, discriminação e, até mesmo, ao desenvolvimento de doenças físicas. As informações são da fundação Abrinq, que também chama atenção para o alto índice de suicídio entre os jovens.

Lidar com emoções e frustrações é um desafio para todos, independente da idade e isso pode se tornar ainda mais difícil na infância e adolescência. Voltando ao conceito de aldeia, além de políticas públicas que tenham a participação de pais e professores, a sociedade como um todo deve se envolver nesse debate. O tema é delicado e a solução deve ser coletiva. Olhar para o assunto com atenção e sem julgamentos é um caminho não só para evitar novos ataques letais como o de segunda-feira, mas também assumir a responsabilidade sobre a saúde e bem estar mental das nossas crianças e adolescentes.