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Editorial

Uma solução para o ‘prende e solta’

A polícia só pode prender um indivíduo amparada a uma ordem judicial ou no chamado flagrante de delito

17 de Março de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Estátua da justiça em frente ao Palácio do Supremo Tribunal Federal na Praça dos Três poderes em Brasília
Há, também, quem defenda uma revisão da Constituição (Crédito: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Nas ruas e nas redes sociais é comum ouvirmos a expressão a “polícia prende e a Justiça solta”. Popularmente, essa percepção tem lá as suas justificativas, principalmente entre familiares e amigos de uma eventual vítima de crime, que vê, horas depois de preso, o “vilão” de volta à sociedade, logo após passar por uma audiência de custódia.

A verdade é que parte da sociedade apoia, inquestionavelmente, a ação da polícia que prende, principalmente diante do aumento das taxas de criminalidade.

Há quem defenda o poder repressivo do Estado e a prisão como solução dos males causados pela escalada do crime e da violência. Em busca da segurança para ir e vir, essas pessoas veem na polícia que prende o caminho para a paz, afinal a atividade de polícia é a garantia da preservação da ordem pública e envolve a repressão imediata às infrações penais e administrativas e a aplicação da lei. O exercício da polícia ostensiva requer ampla atuação, desde uma simples informação até o gerenciamento de ocorrências de grande vulto.

É fato, porém, que a polícia só pode prender um indivíduo amparada a uma ordem judicial ou no chamado flagrante de delito. Caso contrário, ninguém pode ser privado de sua liberdade.

Se a polícia prende, alguma instituição constituída legalmente tem o poder de soltar. Nesse caso o papel cabe à Justiça. Em 24 de fevereiro de 2015, as audiências de custódia eram iniciadas no Brasil a partir de um projeto coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com ampla adesão de todas as unidades da federação. A prática deu cumprimento à norma internalizada pelo Brasil havia 23 anos, que prevê a apresentação da pessoa presa a um juiz no menor prazo possível. Oito anos depois, os resultados mostram que a medida criou novos fluxos no sistema de justiça criminal, contribuindo para a redução de 10% da taxa de presos provisórios no País.

Há 15 dias, em 3 de março, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, por unanimidade de votos dos ministros, que todos os tribunais devem realizar, no prazo de 24 horas, audiência de custódia em todas as modalidades de prisão. A decisão confirma orientação anterior, que determinou que, a partir de 2021, todos os tribunais e juízes de direito, realizem audiência de custódia em todas as modalidades de prisão, inclusive as temporárias, preventivas e definitivas.
Tem-se na audiência de custódia uma espécie de mecanismo para uma eventual solução para o número de indivíduos presos no sistema prisional brasileiro.

Mesmo assim, dados do CNJ, divulgados em dezembro de 2022, indicavam que o Brasil havia alcançado a marca de 909.061 encarcerados. Desse total, 44,5% eram prisões provisórias, ou seja, os detentos ainda não haviam sido condenados. Dessa forma, o País figurava como a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China. Isso explica porque o sistema prisional brasileiro enfrenta problemas como a superlotação.

Nas edições de 25 de janeiro e 25 de fevereiro deste ano, o Cruzeiro do Sul mostrou que o número de presos supera em 42% o de vagas na Região Metropolitana de Sorocaba (RMS). No final de fevereiro havia 12.533 detentos, enquanto o sistema prisional na região tem capacidade para abrigar até 8.838. Há sobrepopulação em oito unidades, sendo a penitenciária feminina de Votorantim a única exceção. Especialistas afirmam que o quadro afeta não só os encarcerados, como, também, os trabalhadores do setor.

Então, qual seria a solução para o fim do “prende e solta”: o aumento de vagas a partir da construção ou ampliação de penitenciárias, colônias penais, cadeias públicas, dentre outros estabelecimentos similares? Talvez resolva por um tempo. Fato é que o desencarceramento por si só também não resolve, se não houver uma política que privilegie a reeducação efetiva dos presos.

Há, também, quem defenda uma revisão da Constituição como forma de redefinir as questões que envolvem a segurança pública e o sistema carcerário. A Constituição prevê expressamente a responsabilidade do Estado perante todos os cidadãos, garantindo-lhes direitos e deveres fundamentais, abrangendo também a população que ingressa no sistema penitenciário.

A toda essa reflexão, some-se uma fala de Nelson Mandela sobre o assunto: “Ninguém conhece realmente uma nação até estar atrás das grades. Uma nação não deveria ser julgada pelo modo como trata os seus melhores cidadãos, mas sim, como trata os piores”.