Editorial
Tragédias que podem ser evitadas
O que esperar de quem joga entulho em córregos, aterra nascentes, entope bueiros e faz parar quase todo tipo de objeto de plástico no leito dos rios
Os efeitos da natureza são imprevisíveis. A força das águas e do vento destrói moradias, estradas e ceifa vidas, como se viu na tragédia do litoral norte de São Paulo e que se repete, em maior ou menor proporção, em outras regiões do país.
Só no município de São Sebastião, foram 61 mortes. Mais um deslizamento de terra ocorrido em Manaus, no último fim de semana, matou oito, entre adultos e crianças. Em 2022, a tragédia foi em Petrópolis, no Rio de Janeiro, quando foram contados 241 óbitos.
Os desastres devido às chuvas se reprisam e chamam a atenção pelo número de vidas perdidas. No Brasil, eles têm época certa para acontecer: no verão. Muito se fala no volume de água, medido em milímetros. Em São Sebastião, choveu mais de 600 mm em 24 horas, como se noticiou logo depois.
Foi considerada a mais intensa na história do Brasil. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), em fevereiro deste ano, os maiores volumes de chuva concentraram-se em grande parte do Brasil, desde o noroeste da região norte até o leste da região sudeste, passando pela parte central.
Após a tragédia, há uma série de medidas, iniciativas, promessa de obras, inclusive as campanhas necessárias de ajuda às famílias atingidas. Embora louváveis diante do fato lamentável, carecem de um acompanhamento que não deve passar exclusivamente pelos meios governamentais.
As chuvas ocorrem, verão após verão, e mesmo com as mais recentes sendo as de maior intensidade, tornam-se urgentes ações efetivas de prevenção e planejamento.
O país tem 3,9 milhões de pessoas que vivem em 13.297 áreas de risco, conforme o painel do Serviço Geológico do Brasil, vinculado ao Ministério de Minas e Energia.
Dessas, quatro mil são classificadas como de “risco muito alto” de deslizamentos e inundações. E o número de áreas classificadas como de “risco alto” é de 9.291. Esses dados podem ser consultados em um mapa on-line para prevenção de desastres, que apresenta a localização e características. Entre os eventos estão deslizamentos, inundações, enxurradas, fluxo de detritos, quedas de rochas e erosões.
Esse mapa de áreas de risco é uma das iniciativas válidas de prevenção e que pode guiar ações mais consistentes para se evitar tragédias. Mas é pouco. Se outras existem, precisam ser divulgadas.
Na natureza, vemos animais se preparando para as adversidades da natureza, estocando alimentos, reforçando o ninho ou a toca. É algo imprescindível para sobreviver. A sociedade humana, de maneira semelhante, deve-se preparar preventivamente e são muitas as coisas que podem acontecer, pela dimensão das cidades e suas periferias.
O que esperar de quem joga entulho em córregos, aterra nascentes, entope bueiros e faz parar quase todo tipo de objeto de plástico no leito dos rios? E das autoridades que não coíbem, não fiscalizam e não mostram às crianças e até mesmo aos adultos que isso é errado?
O descarte inadequado de materiais obstrui as galerias de águas de chuva. A passagem pela tubulação fica mais estreita, diminuindo a vazão. E não é só lixo. Areia e brita de obras, se deixadas sem anteparos, nas calçadas ou em terrenos, vão fatalmente parar dentro dos bueiros durante uma chuva mais forte.
Também causam assoreamento em rios e córregos. A limpeza e manutenção de canaletas no fundo do terreno de uma casa em aclive, o plantio de vegetação em encostas, entre outras medidas que são lógicas e ideais, fazem a diferença.
A força da água é poderosa. De um momento para outro uma parede pode cair, levando o telhado para baixo e causando vítimas. Em cursos de água, margens próximas e terrenos muito íngremes não se deve construir, já diziam os mais antigos. Desafiar essa regra passou a ser o lugar comum a partir da valorização imobiliária urbana.
Cada espaço significa muito, mais ainda para quem tem dificuldade de pagar por uma habitação afastada de certos riscos. E morar em algo que é seu dá uma sensação de segurança que parece imune às intempéries. As questões sociais, urbanas e ambientais mostram-se complexas e difíceis de serem resolvidas. Contudo, as consequências dos últimos acontecimentos em diferentes regiões do Brasil mostram que é pior remediar do que prevenir.