Editorial
A pressa é inimiga da fiscalização
O pleito do atual prefeito, autor da proposta, até pode ser justo, mas abre brechas perigosas para o futuro da administração municipal
Sorocaba ganhou, num só dia, mais de uma dezena de subprefeitos. Executivos que não foram escolhidos pelo povo, mas que passam a ditar, com plena autonomia, os rumos de boa parte do orçamento pago religiosamente pela população. A decisão partiu da grande maioria dos vereadores da Câmara de Sorocaba. A votação ocorreu numa sessão extraordinária, sem que o tema fosse devidamente debatido com os munícipes e nem sequer passasse pelas diversas comissões da nossa Casa de Leis. A principal dúvida é qual a necessidade de tanta pressa para se aprovar um tema burocrático como esse.
É estranho que nossos vereadores tenham mudado, com tanta rapidez, a Lei Orgânica do Município (LOM), que equivale à nossa Constituição. Esse tipo de alteração não deve ser realizada da maneira açodada como, mais uma vez, assistimos. Parece que todo projeto que pode gerar polêmica acaba se utilizando de atalhos para garantir sua aprovação. E isso não deve ser visto com bons olhos.
O pleito do atual prefeito, autor da proposta, até pode ser justo, mas abre brechas perigosas para o futuro da administração municipal. Cada secretaria corre o risco de virar um verdadeiro feudo, que decidirá, por conta própria, como empregar o dinheiro público.
O projeto proposto pelo Executivo, e aprovado pela Câmara, vai permitir que os secretários municipais pratiquem atos licitatórios e contratuais, autorizando despesas de suas respectivas secretarias e programas envolvidos com as pastas. Até agora, e sempre foi assim, esses atos eram privativos do chefe do Executivo. Com a nova redação da Lei Orgânica do Município, o prefeito abre mão dessa prerrogativa e a terceiriza para a equipe de secretários por ele escolhida.
Conforme reportagem publicada na edição de 8 de março do jornal Cruzeiro do Sul, dezessete dos vinte vereadores da Câmara, sem pestanejar, atenderam ao pedido do prefeito. Mesmo sem debater a proposta com a sociedade, nem ouvir órgãos fiscalizadores das contas municipais, decidiram embarcar nessa aventura que pode gerar grandes problemas futuros para a cidade. Se o prefeito, com essa proposta, decidiu abrir mão de parte de suas obrigações, os nossos edis também decidiram complicar, ainda mais, o trabalho de fiscalização das contas públicas que lhes cabe por autorização da população.
A vereadora Iara Bernardi, que votou ao lado de Francisco França e de Fernanda Garcia contra o projeto, apresentou uma série de preocupações com o texto, afirmando que ele desobriga o prefeito das responsabilidades com as despesas. Iara disse ainda que a iniciativa pode ser perigosa para a população: “O povo vota em prefeito ou prefeita, não em secretário municipal. É perigoso e displicente como a Câmara vota neste projeto”. Já o presidente da Câmara, Cláudio Sorocaba, aliado de primeira hora de Rodrigo Manga, acredita que com a mudança os secretários poderão ser responsabilizados em casos específicos. “Agora acabou essa história de ‘não vi nada’. Vai ter que prestar atenção”, afirmou Cláudio.
O líder do governo municipal na Câmara, vereador João Donizeti, garantiu que o objetivo do projeto é agilizar os trâmites dos processos, que “são muito burocráticos”. Segundo ele, essa mudança não exime a responsabilidade do prefeito em relação aos atos dos secretários. “Diversos atos administrativos, como uma mera assinatura para iniciar uma obra, não precisariam da assinatura do prefeito e essa exigência só serve para burocratizar os processos”, justificou.
O problema principal, esquecido pelos vereadores, é que uma alteração tão profunda na Lei Orgânica do Município deve ser levada mais a sério. Assuntos que envolvem o uso de dinheiro público precisam, sim, ser debatidos com a população. A medida, aprovada tão rapidamente pelo plenário da Câmara, não serve só para o prefeito Rodrigo Manga, mas para todos que no futuro administrarão Sorocaba. Permitir essa liberalidade toda é um grande risco para a cidade.
A Câmara Municipal, não se sabe por que motivo, preferiu atender cegamente a um pedido do prefeito, sem sequer consultar órgãos como, por exemplo, o Tribunal de Contas. Talvez, se isso tivesse sido feito e amplamente divulgado, não teríamos tantas dúvidas quanto ao real propósito e a legalidade dessa tão relevante mudança.