Editorial
Falar é fácil, fazer é bem mais complexo
Os dados mostram que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal identificados entre os dias 1º e 17 de fevereiro já representam o pior índice para o mês
O governo Lula passou boa parte de seus quase dois meses no poder tentando desconstruir o que foi feito pela gestão anterior. As mais severas críticas, muitas vezes infundadas, foram lançadas pelo próprio presidente e por seus ministros. Um dos principais alvos é a forma como o ex-presidente Bolsonaro tratava a questão da Amazônia.
Só que há uma grande diferença entre os discursos e o que acontece na realidade. Não adianta tentar tapar o sol com a peneira, a conservação da floresta amazônica é um desafio tão grande quanto a extensão dela.
Uma prova do tamanho dessa encrenca está no último relatório divulgado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Os dados mostram que os alertas de desmatamento na Amazônia Legal identificados entre os dias 1º e 17 de fevereiro já representam o pior índice para o mês desde o início da série histórica, iniciada em 2015.
Segundo as informações do Sistema de Detecção de Desmatamento em Tempo Real (Deter), o volume de desmatamento chegou a 209 km2 no período, ante 199 km2 verificados no mês de fevereiro do ano passado, quando o País era governado por Bolsonaro. O volume é quase do dobro da área desmatada em fevereiro de 2015, ainda na gestão Dilma, quando o sistema captou 115 km2 de devastação.
Em janeiro, o número do desmatamento tinha registrado forte queda em relação ao mesmo mês dos anos anteriores. Foram 167 km2 em janeiro de 2023, diante de 430 km2 em janeiro de 2022. Os especialistas apontam que fatores como forte incidência de chuvas podem ter influência nos dados, além das ofensivas contra os crimes que assolam as florestas.
Como se pode notar, os fatores externos, não controlados pelo homem nem pelos governantes, muitas vezes são determinantes para esse ou aquele resultado. Não se pode colocar na conta de ninguém, nem para o bem, nem para o mal, uma equação tão complexa como a preservação da Amazônia, uma área que sequer pertence inteiramente ao Brasil. Especialistas mais condescendentes acreditam que há a necessidade de se esperar pelo menos quatro meses para avaliar o efeito das ações anunciadas pelo atual governo nas taxas de devastação florestal, mas esses mesmos analistas não deixaram de comemorar o resultado de janeiro já como um grande feito. Agora que os números mudaram de direção, pede-se paciência.
O que se sabe, com certeza, é que os alertas do sistema Deter devem servir como bússola para guiar medidas e políticas públicas que reduzam o ritmo do desmatamento da floresta. Esse sistema vai ter a capacidade técnica de apontar as áreas mais devastadas e orientar ações de órgãos como o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio).
Numa entrevista dada na semana passada, o novo presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, afirmou que a meta do governo é reduzir, pela metade, o índice de desmatamento verificado no ano anterior. O trabalho de proteção e fiscalização ambiental, disse Agostinho, deve contar não apenas com recursos da União, mas também do Fundo Amazônia e de outros órgãos que demonstraram intenção de voltar a investir no País, como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Global para o Meio Ambiente, (GEF, na sigla em inglês), um dos maiores financiadores de projetos ambientais do mundo.
A Amazônia Legal é uma área que corresponde a 59% do território brasileiro e engloba a totalidade de oito estados -- Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins -- e parte do Estado do Maranhão. Gerir isso tudo, com as muitas diferenças regionais, não é tão fácil assim. Só boa vontade será incapaz de resolver problemas que se acumulam há décadas. O próprio presidente Lula, em oito anos de gestão, pouco conseguiu avançar sobre o tema. É difícil acreditar que, agora, terá algum sucesso. O tempo vai julgar se discursos inflamados serão suficientes para apagar o fogo da mata.