Editorial
Criar problemas para vender soluções
Os gigantes da tecnologia têm buscado novos fluxos de receita, já que a incerteza econômica pesou em suas finanças
Nesses tempos modernos, é difícil encontrar alguém que não tenha pelo menos uma conta numa das muitas redes sociais espalhadas pelo mundo. Alguns desses aplicativos e serviços se tornaram o ponto de venda e o escritório de milhões de pessoas.
Além disso, influencers com milhares de seguidores faturam dinheiro a rodo só para elogiar um determinado produto ou fazer seu próprio testemunho de uma situação vivida. Na política, as redes sociais também têm conquistado peso relevante, podendo alavancar ou destruir candidaturas e reputações.
Só que nem sempre a segurança tecnológica dessas redes foi feita para determinadas aplicações comerciais. Aproveitando-se dessas brechas, hackers tem invadido os sistemas e produzido perfis falsos, causando prejuízo e problemas para parte da sociedade.
Alguns desses relatos foram publicados na edição de terça-feira (21) do jornal Cruzeiro do Sul. A estudante de Odontologia Évelin Nogueira, por exemplo, teve seu nome ligado à comercialização de material pornográfico. Os trapaceiros usaram uma foto do perfil oficial dela para produzir uma conta falsa no Instagram e oferecer conteúdo adulto, por assinatura. A universitária teve bastante trabalho para denunciar o problema e remover a conta falsa.
Nem quem é do ramo escapa desse tipo de golpe. A criadora de conteúdo Júlia Scochi viveu situação semelhante e precisou de ajuda dos amigos da rede para denunciar o link malicioso, até a página falsa ser removida.
Esse tipo de golpe busca atingir dois alvos. O primeiro são os donos dos perfis clonados, usados para enganar outras pessoas. O segundo tipo de vítima é aquele que clica no link malicioso, fornece informações pessoais e até faz transferências financeiras para os supostos donos do perfil. As contas clonadas direcionam essas vítimas para uma página falsa, onde dados podem ser roubados e o crime, enfim, concretizado.
Diante do aumento desse tipo de ocorrência, no mundo todo, as grandes empresas de tecnologia começaram a mobilizar-se e anunciar medidas que melhorem a segurança e o desempenho dos sistemas oferecidos a bilhões de usuários. Só que em muitos casos, essa proteção às falhas e aos golpes acaba pesando no bolso do cliente.
A Meta Platforms, dona do Instagram e do Facebook, está lançando um serviço de assinatura paga que permite aos usuários verificar suas contas com identificação do governo e receber acesso direto ao suporte ao cliente. Segundo o presidente executivo Mark Zuckerberg, o objetivo é aumentar a segurança e a autenticidade dos serviços ofertados. A ferramenta também se destina a “ajudar criadores promissores a aumentar sua presença e construir uma comunidade mais rapidamente”, de acordo com um porta-voz da empresa.
O serviço de proteção custará US$ 11,99 (cerca de R$ 67,00) por mês para contas do Facebook e Instagram que se inscreverem a partir de um navegador da web, ou US$ 14,99 (perto de R$ 84,00) por mês para assinaturas por meio de dispositivos móveis. Os testes do serviço vão começar a ser feitos na Austrália e na Nova Zelândia ainda nesta semana. Nos próximos meses, a empresa espera que a ferramenta seja lançada nos EUA e, eventualmente, em outros mercados, de acordo com o porta-voz.
O serviço de assinatura da Meta reflete vários problemas que a empresa está enfrentando, como contas não autênticas e reclamações de usuários sobre elas. Vários usuários também levantaram preocupações sobre tentativas malsucedidas de entrar em contato com o atendimento ao cliente quando foram hackeados ou tiveram suas contas bloqueadas.
Além disso, ao apostar nas assinaturas, dependendo de quantos usuários entrarem, a receita da empresa pode aumentar. Os gigantes da tecnologia têm buscado novos fluxos de receita, já que a incerteza econômica pesou em suas finanças e levou vários deles a anunciarem demissões e redução no número de empregos.
Ao apresentar sistemas com falhas na segurança e atendimento precário ao cliente, as “big techs” demonstram não dominar tanto assim o mundo da informática. Ao querer vender soluções para proteger os usuários das falhas do próprio sistema, as empresas acabam levantando suspeita sobre sua própria idoneidade.
Cabe agora a quem usa as redes sociais saber separar o joio do trigo e escolher aquelas que ofertem melhor serviço, com menor risco e maior eficiência no atendimento. Só assim será enviado um recado aos poderosos que eles não mandam tanto assim.