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Editorial

O perigo que vem das antigas Arcadas

Como confiar num advogado, num juiz, num promotor, que colocam suas vontades e seus preconceitos à frente da letra da Lei

10 de Fevereiro de 2023 às 23:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Janaína Paschoal
Janaína Paschoal (Crédito: Andressa Anholete/ AFP (30/08/2016) )

Em 2027, os primeiros cursos de Direito, no Brasil, completarão 200 anos. As faculdades pioneiras foram instaladas no Recife e em São Paulo. Desde então, das bancadas dessas escolas e de muitas outras que vieram a seguir, saíram alguns dos principais expoentes da política nacional. Presidentes da República, governadores, senadores, deputados, ministros das mais variadas Cortes, juristas de renome internacional.

Os cursos de Direito foram, e ainda são, um dos maiores produtores de grandes lideranças, de pessoas com visão ampla e capacidade de adaptar-se a um mundo cada vez mais diverso.

O problema é que os alunos de alguns desses cursos, em especial das escolas públicas, decidiram tornar-se os donos da verdade e criar a ditadura do pensamento único. Os fatos ocorridos, esta semana, no Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, encheriam de vergonha Ruy Barbosa e outros iluminados da história do Brasil.

Um grupo de alunos, que domina a entidade, decidiu protestar contra a volta da professora Janaína Paschoal, que encerra seu mandato como deputada estadual no dia 14 de março. Professora concursada, atuante na cadeira de Direito Penal, Janaína tem todo o direito, moral e legal, de reassumir seu posto, sem se importar com os devaneios autoritários de alguns poucos desafetos.

Vale lembrar que Janaína Paschoal teve grande importância na história recente do país e, por muito pouco, não se tornou vice-presidente da República. Janaína ganhou destaque a partir da abertura do processo de impeachment contra a ex-presidente Dilma Rousseff.

Ela assinou a peça jurídica que serviu de base para o impedimento da petista ao lado do jurista Miguel Reale Júnior. Vitoriosa em sua proposição, mais tarde, candidatou-se a uma vaga na Assembleia Legislativa de São Paulo e tornou-se a deputada estadual mais votada do país.

Nas eleições do ano passado, poderia, com tranquilidade, lutar por um novo mandato na Assembleia ou na Câmara dos Deputados, preferiu arriscar seu mandato para uma vaga no Senado e acabou derrotada.

Diante da carta escrita pelo XI de Agosto, docentes da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, ligada à Universidade de São Paulo (USP), saíram em defesa do retorno de Janaína Paschoal às salas de aula da instituição.

O diretor e a vice-diretora da faculdade, Celso Campilongo e Ana Elisa Liberatore Bechara, emitiram uma nota em que lembram dos direitos de “livre manifestação do pensamento e a liberdade de consciência” garantidos pela Constituição de 1988, que se aplicam também às diretrizes das atividades intelectuais e científicas: “É na trilha dos mandamentos constitucionais que garantem a liberdade de cátedra e a livre manifestação do pensamento de todos os seus docentes que a Faculdade reafirma seu compromisso continuado e inabalável com a construção da democracia e o crescente respeito às diferenças”.

Em artigo publicado em um site jurídico, o ex-diretor da São Francisco Floriano de Azevedo Marques Neto, mesmo dizendo ter ideias “absolutamente opostas” às de Janaina, defendeu que o desejo de proibir o retorno da parlamentar às salas de aula é um “desrespeito à história de pluralidade” da instituição.

“Querer proibir que um professor reassuma sua docência, especialmente pelo fato deste docente professar ideias com as quais discordamos, para além de ferir as liberdades constitucionais, é um desrespeito à história de pluralidade que marca o Largo de São Francisco. Janaína pode representar tudo com que discordo, mas é professora e, portanto, deve ser tratada com respeito e com a tradição plural das Arcadas”, escreveu.

Infelizmente, a seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, dirigida por Patrícia Vanzolini, optou pelo silêncio diante dessa atitude anacrônica dos alunos que comandam o Centro Acadêmico XI de Agosto. A OAB pode até considerar que esse é um problema intramuros, mas a entidade deve lembrar que são esses estudantes, sectários e que buscam ferir os direitos de quem pensa de outra forma, que serão os futuros profissionais filiados à Ordem.

Como confiar num advogado, num juiz, num promotor, que colocam suas vontades e seus preconceitos à frente da letra da Lei? É esse tipo de resposta que a sociedade aguarda diante da atitude de alguns estudantes contaminados única e exclusivamente pela ideologia política e pelo revanchismo.