Editorial
Do discurso à prática
Os investidores querem saber, com clareza, o nível de interferência que o Estado pretende adotar em assuntos importantes

Todo início de ano as atenções do mundo se voltam para uma pequena cidadezinha de pouco mais de onze mil habitantes no norte de Suíça. É para lá que Chefes de Estado, ministros e a elite do mercado financeiro mundial se encontram para fazer previsões sobre o futuro do planeta.
Na edição deste ano, que começou nesta segunda-feira (16), um dos principais temas em debate é o aumento generalizado do custo de vida causado tanto pelos efeitos da guerra na Ucrânia, como pela reabertura econômica após a pandemia da Covid-19. Esses dois fatores somados exigirão muitos sacrifícios da sociedade nos próximos anos.
A crise do custo de vida pode empurrar milhões de pessoas à pobreza extrema e alimentar uma série de tensões sociais em diversas regiões, principalmente da África, da Ásia e da América Latina. Segundo os estudos, também representa um maior risco de ocorrência de desastres naturais, fenômenos climáticos extremos e guerras.
Mais de mil especialistas e políticos foram ouvidos no mundo todo por uma pesquisa que avalia os problemas globais mais eminentes e a principal conclusão foi que ‘os conflitos e as tensões geoeconômicas podem desencadear uma série de riscos mundiais profundamente interconectados‘.
Esses riscos incluem ‘pressões no suprimento de energia e alimentos que devem persistir nos próximos dois anos e aumentos acentuados da crise do custo de vida e do custo da dívida‘, devido à alta dos preços da energia e das taxas de juros.
Segundo o relatório final dessa mesma pesquisa, o crescimento desses valores ‘minam os esforços para enfrentar outras ameaças a longo prazo, principalmente as mudanças climáticas‘ e a perda de biodiversidade em vários biomas do planeta.
‘A pandemia e a guerra na Europa voltaram a trazer à tona a crise energética, inflacionária, alimentar e de segurança‘, acrescenta o comunicado, que também alerta para as ‘sociedades polarizadas pela desinformação e pela má informação‘ e para as ‘guerras geoeconômicas‘.
Na edição deste ano, o Brasil será representado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad e pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva.
Ontem, Haddad afirmou que a ansiedade de investidores e empresários em relação ao novo governo será controlada com a implementação de medidas que já foram anunciadas durante a campanha eleitoral. ‘É uma ansiedade que será naturalmente controlada pelo fato de que as medidas que estão sendo tomadas vão na direção que o presidente Lula já anunciou na campanha‘, disse o ministro ao desembarcar em Davos.
Ele afirmou que dará três recados a empresários e investidores nos Alpes suíços: político, após os atos antidemocráticos em Brasília; retomada econômica com sustentabilidade fiscal e social e o meio ambiente.
‘A sustentabilidade ambiental ganhou uma dimensão na qual o Brasil tem muito a oferecer não apenas em termos da retomada de compromissos históricos como combate ao desmatamento e energia renovável, mas também na pauta do desenvolvimento‘, afirmou Haddad.
O ministro vai ter muito trabalho para convencer investidores que olham com um certo graus de desconfiança para o Brasil depois dos primeiros discursos públicos do novo governo.
Vai ser difícil um empresário aplicar seu dinheiro aqui sem a conhecer as regras do jogo se pretende implementar. Sem segurança jurídica, a chance de novos aportes financeiros no país tende a zero.
Os investidores querem saber, com clareza, o nível de interferência que o Estado pretende adotar em assuntos importantes como política de preço de combustíveis, reforma tributária, mudanças nas leis trabalhistas, privatizações, parcerias público-privadas, tudo isso ainda é uma lacuna que precisa ser preenchida.
O discurso que o Brasil pretende fazer em Davos, diante de enorme plateia, pode até ser bonito e cheio de esperanças e de simbologismo, mas sem o detalhamento das propostas, e a garantia que serão aprovadas no Congresso Nacional, é pouco provável que alguém se convença de pronto.