Editorial
Está na hora de dividir a conta
As negociações no Canadá duraram dias e foram marcadas por uma longa disputa entre o bloco dos países ricos e o dos países em desenvolvimento

Lideranças mundiais decidiram, no Canadá, ampliar os esforços para proteger a natureza e a biodiversidade do planeta. Uma nova meta foi estabelecida para garantir não só a implantação de projetos de sustentabilidade como também recursos financeiros suficientes para sua execução. A China, país que mais polui no mundo, foi a grande avalista desse acordo.
A Conferência das Nações Unidas sobre a Biodiversidade de Montreal adotou, nesta segunda (19), o princípio de um “marco global para a biodiversidade”, um esboço com 23 objetivos para tentar frear a destruição da natureza até 2030.
O objetivo central do texto deixa claro: “Que, até 2030, pelo menos 30% das áreas terrestres e das águas continentais, costeiras e marinhas (...) estejam efetivamente conservadas e administradas”.
Isso será feito “por meio de sistemas de áreas protegidas ecologicamente representativas, bem conectadas e geridas de forma igualitária” e “garantindo que qualquer uso sustentável (...) seja totalmente compatível com os objetivos de conservação”.
O objetivo é, portanto, global, e não nacional, o que implica que uns façam mais que outros, ou façam mais em terra do que no mar. Esses 30% são o mínimo para cientistas e ONGs, muitos dos quais estimam que seriam necessários 50%. Atualmente, 17% da terra e 8% dos mares estão protegidos.
As negociações no Canadá duraram dias e foram marcadas por uma longa disputa entre o bloco dos países ricos e o dos países em desenvolvimento: mais ambições de preservação em troca de mais subsídios internacionais, e vice-versa.
Ao final, o texto aprovou o objetivo de que os países ricos forneçam “pelo menos US$ 20 bilhões anuais até 2025, e pelo menos US$ 30 bilhões anuais até 2030”, ou seja, aproximadamente o dobro e o triplo da atual ajuda internacional para a biodiversidade.
A novidade é que esse compromisso recai sobre “países desenvolvidos e sobre países que voluntariamente assumem obrigações dos países desenvolvidos”, membros da Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB).
Essa formulação permite incluir os Estados Unidos, que não é signatário da CDB, e abre caminho para a integração da China, ou dos Estados árabes, aos doadores, como espera a União Europeia.
Segundo a Comissão Europeia, o acordo deverá mobilizar US$ 200 bilhões por ano até 2030. Ainda, com o projeto, grandes empresas transnacionais e instituições financeiras serão obrigadas a monitorar, avaliar e divulgar regularmente os riscos, dependências e impactos sobre a biodiversidade.
O secretário-geral das Nações Unidas (ONU), António Guterres, elogiou o acordo, mas não acredita que só essas medidas sejam suficientes. Para ele, o mundo ainda está “se movendo de forma errada” para combater a crise climática, considerando o aumento nas emissões de carbono.
“Tivemos um avanço importante na COP-15, finalmente criando perspectivas focando na natureza”, disse Guterres, que se comprometeu a “continuar trabalhando” por um pacto climático comunitário entre diversos países. “Convoco todos os líderes globais a participar deste movimento. O preço de entrada será comprometimento com a transição verde, e não haverá espaço para greenwashers”. A expressão em inglês se refere a ações cosméticas com pouca ou nenhuma eficácia para ajudar o meio ambiente.
Guterres ainda comentou sobre outros desafios esperados para 2023, mencionando principalmente os altos preços de alimentos e acesso limitado a fertilizantes. Segundo o secretário-geral, se os problemas na cadeia de suprimentos de fertilizantes não forem resolvidos, possivelmente haverá falta de alimentos em 2023.
O presidente da China, Xi Jinping, defendeu a construção de um “consenso global sobre proteção da biodiversidade”. Em discurso, ele lembrou que seu país colabora para o estabelecimento de metas nessa frente. Além disso, defendeu que se acelere o “desenvolvimento verde”, que pode beneficiar todos os países, e também a colaboração entre nações para “coordenar esforços para lidar com desafios globais, como a mudança climática e a perda de biodiversidade”.
O problema desse tipo de acordo está em adotar, na prática, as medidas defendidas por lideranças políticas, cientistas e ONGs. Nenhuma proposta pode ultrapassar a soberania de cada nação e muitos dos compromissos dependem de mudanças em regras e legislações nacionais. Aí a negociação é outra.
O mundo precisa adotar medidas que ajudem a combater o aquecimento global, o uso indiscriminado de recursos naturais e a pobreza, mas essas soluções dependem do apoio de todos. Fica fácil para as populações que vivem em situação mais confortável ditar regras para os que ainda almejam o mesmo patamar de qualidade de vida. Se deve haver sacrifício, o sacrifício deve ser para todos.