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Editorial

A prática do contrabando legislativo

O uso desse subterfúgio para driblar as regras do Parlamento chegou a ser debatido no Supremo Tribunal

15 de Dezembro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Câmara dos Deputados
Câmara dos Deputados (Crédito: Divulgação / Câmara dos Deputados )

O Partidos dos Trabalhadores nem reassumiu a cadeira de Palácio do Planalto e um expediente muito usado nos governos dos ex-presidentes Lula e Dilma já voltou a ser praticado no Congresso Nacional: o contrabando legislativo.

Na sessão de terça-feira da Câmara dos Deputados, o presidente da Casa, Arthur Lira, fez uma manobra para incluir num projeto sobre verbas publicitárias uma autorização para regularizar a nomeação de pessoas ligadas a partidos políticos e que tenham participado efetivamente no processo eleitoral a cargos de direção e do conselho de estatais. A quarentena, que era de 36 meses, passou para míseros 30 dias.

O deputado gaúcho Marcel Van Hattem batizou a emenda com o nome de Aluizio Mercadante, indicado indevidamente por Lula para comandar o BNDES. A manobra realizada por Lira, se confirmada pelo Senado, vai permitir que o ex-ministro tome posse.

O gesto de Lira quis mostrar ao PT toda a sua força no comando da Casa. Ele negocia, para um de seus aliados, a vaga de ministro da Saúde no próximo governo. E oferece, em contrapartida, pelo menos 150 votos que ajudariam na aprovação da PEC da Transição, pautada para ser votada na próxima terça-feira.

O uso desse subterfúgio para driblar as regras do Parlamento chegou a ser debatido no Supremo Tribunal Federal (STF). Nos governos petistas, várias medidas provisórias acabavam recheadas de emendas que alteravam projetos e leis sem nenhuma correlação com elas.

O termo “contrabando legislativo” foi adotado, em 2015, pelo próprio STF para denominar a prática inconstitucional de apresentar emendas parlamentares sem correlação temática com a medida provisória submetida à apreciação do Poder Legislativo. O caso debatido pelos ministros da época avaliava uma medida provisória editada para modificar dois artigos de uma lei ligada a obras e serviços de engenharia. Os parlamentares contrabandearam para dentro do projeto 72 emendas que nada tinham a ver com o assunto.

O ministro Luís Roberto Barroso, relator do tema no STF chegou a escrever em sua decisão: “Difícil imaginar um diploma legal mais heterogêneo, com matérias que aparentemente não guardam relação com o texto original da medida provisória”.

Infelizmente, na época do julgamento da questão, a prática de apresentar emendas sem pertinência temática com a norma objeto de apreciação legislativa foi vedada somente nos casos ligados a medidas provisórias, deixando aberto o caminho para que o mesmo tipo de irregularidade fosse usado em projetos de lei, por exemplo.

Vale ressaltar que essa discussão não atinge a apresentação, e aprovação, de emendas parlamentares ligadas ao tema discutido. Essas sim fazem parte do trabalho do legislador. O que se condena é usar um projeto que versa sobre verbas publicitárias para modificar uma regra de nomeação para estatais.

O jogo político é bruto. Muitas normas são atropeladas para favorecer este ou aquele interesse. A única forma de nos defendermos desse tipo de prática é a fiscalização de todos os atos, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Cabe à população denunciar e reprovar todas as irregularidades que cruzem o seu caminho. E vai ser preciso muito olho vivo para ficar atento a todas as manobras. A criatividade na hora de buscar brechas nas regras é inimaginável. Basta fechar uma porta para que várias janelas sejam abertas.