Eleições 2022
A eleição já tem um perdedor
A liberdade de imprensa deve ser ampla, total e irrestrita para que se tenha efetivamente uma democracia
O segundo turno das eleições toma um rumo perigoso. A disputa está se tornando cada vez mais acirrada e as campanhas estão se utilizando de todas as armas e artimanhas para conquistar votos. O problema é que em todo o jogo em que dois lados disputam tem que existir um juiz imparcial e regras que não podem ser alteradas para favorecer ou para prejudicar apenas um dos lados. É nesse quesito que a situação está se complicando aqui no Brasil.
As duas principais cortes do País, no que tange a disputa eleitoral, têm tomado uma série de atitudes, no mínimo, duvidosas. E mesmo que essa não seja a intenção, é o que transparece para a maioria da população. Várias decisões proferidas pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm desequilibrado o jogo eleitoral para um único lado. São medidas aparentemente calcadas na boa fé, mas que em seu bojo carregam uma série de transgressões às leis aprovadas pelo Congresso Nacional e à própria Constituição.
O número de decisões contrárias à campanha do presidente Bolsonaro é gritantemente superior às tomadas contra a campanha do ex-presidente Lula. O mesmo tribunal responsável por garantir a lisura das eleições proíbe que órgãos de imprensa e influenciadores digitais utilizem termos negativos a Lula, como ex-presidiário, descondenado e ladrão, mas autoriza que Bolsonaro seja chamado de genocida, pedófilo e até canibal. O mesmo argumento que serve para beneficiar um deveria servir, por isonomia, para beneficiar o outro, só que não é isso que se vê na prática.
Outro fato que parece bobo, mas tem sérias implicações, é a liberação do transporte gratuito no dia da votação. Os advogados que representam a campanha de Lula, desesperados com a virada nas intenções de voto captadas pelas pesquisas eleitorais, buscaram o Supremo com o argumento que os mais carentes teriam dificuldade em votar se tivessem que arcar com o custo do transporte no dia da eleição. E isso aumentaria a abstenção. O Supremo, capitaneado por decisão do ministro Luís Roberto Barroso, encampou a ideia e decidiu autorizar que prefeitos não só possam liberar a transporte gratuito, mesmo sem previsão orçamentária, como também criem linhas especiais que ajudem no transporte de eleitores no dia 30. Esse casuísmo, que modifica as regras do jogo durante a partida, abre caminho para vários crimes eleitorais previstos na lei que regulamenta as eleições. O transporte de eleitores por grupos políticos sempre foi proibido, com essa nova regra o vale tudo está liberado, já que não está prevista, na decisão do STF, nenhuma forma de fiscalização para o serviço que será fornecido.
Prefeitos aliados a um ou outro candidato vão poder organizar suas caravanas da forma que facilitem os votos de um grupo e dificultem o de outro. Não há previsão também de que tipo de ofertas serão dadas aos eleitores para que embarquem nessas caravanas eleitorais. O pão com mortadela, por exemplo, vai poder ser servido nos ônibus que transportam eleitores?
Além de interferir nos rumos da eleição, esse tipo de decisão abre caminho também para a corrupção nas prefeituras. Em vários municípios podem ser montados verdadeiros esquemas para fraudar os cofres públicos usando as empresas de ônibus. A decisão do STF não estabelece controles dos gastos que poderão ser feitos por esse tipo de ato. Imagine a seguinte situação: a prefeitura de um município com 400 mil eleitores autoriza que as empresas de ônibus forneçam o transporte gratuito no domingo da eleição. O número de beneficiados que usa, de verdade, o serviço no dia chega a 20 mil. Empresa e prefeitura decidem inflar esse número para 120 mil. Como não foi determinado pelo STF nenhum tipo de fiscalização e como não dá para controlar o giro das catracas, o prejuízo para a população seria enorme. Imagine agora multiplicar esse valor por centenas de municípios pelo País. E, no fim da história, são nossos impostos que vão acabar pagando essa conta.
Além desses exemplos, o que mais chama a atenção nessa reta final eleitoral, é a volta da censura imposta pelo TSE a alguns jornalistas e órgãos de imprensa. Isso afronta diretamente a Constituição e não há argumento plausível que possa justificar tal atitude. A liberdade de imprensa deve ser ampla, total e irrestrita para que se tenha efetivamente uma democracia. Os abusos podem ser punidos diante do devido processo legal, mas amordaçar jornalistas não está na regra do jogo.
Qualquer que seja o resultado das eleições no dia 30 de outubro, já conhecemos alguns dos perdedores. Depois dessas eleições vai ser difícil olhar com respeito para os ministros que fazem parte do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral. Esses são os principais derrotados nesse processo.