Editorial
Cuidado redobrado com as crianças
É muito importante pensar em programas que vão lidar não só com a defasagem, mas com formas de promover mais equidade, já que a defasagem não foi igual

Durante a semana tivemos duas boas notícias sobre a pandemia de Covid-19. Sorocaba completou, na sexta-feira, um mês sem registrar mortes em decorrência da doença. E o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, anunciou que já é possível ver o fim da crise mundial provocada pelo novo coronavírus.
Esses dois fatos, associados ao crescimento econômico que o Brasil vem experimentando nos últimos meses, confirmam que o pior já passou e que é hora de retomar a vida do jeito que ela era antes do surgimento do vírus chinês.
Ainda há muita coisa para ser consertada, principalmente na área de educação. As nossas crianças sofreram muito durante os dois anos de isolamento e vai ser uma tarefa árdua recuperar esse tempo perdido.
Durante a pandemia, com o fechamento das escolas e a adoção de aulas remotas, as crianças aprenderam, em média, 65% do que geralmente aprendiam em aulas presenciais. Isso equivale a cerca de quatro meses de aulas perdidas. Crianças em situação de maior vulnerabilidade social aprenderam, em média, quase a metade, 48%, do que seria esperado em aulas presenciais.
Os resultados são de uma pesquisa publicada na sexta-feira (16) pela revista Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação. O estudo foi conduzido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Durham University, na Inglaterra, e observou 671 crianças do segundo ano da pré-escola, com idades entre 5 e 6 anos, de 21 escolas da rede privada e conveniada na cidade do Rio de Janeiro.
Os levantamentos realizados mediram o impacto da pandemia na maneira de aprender dos estudantes da educação infantil. Os dados mostram quanto a interrupção das atividades presenciais nas escolas foi prejudicial para aumentar a desigualdade de aprendizagem durante o ano de 2020 e causou impacto sobretudo nas crianças de famílias com perfil socioeconômico mais baixo.
Segundo a pesquisa, entre as crianças cujas famílias apresentavam perfil socioeconômico mais alto, as perdas de aprendizagem foram menores. Elas aprenderam, em média, 75% do esperado. Isso significa uma diferença média de três meses de aprendizado entre as crianças de maior e menor nível socioeconômico.
“É muito importante pensar em programas que vão lidar não só com a defasagem, mas com formas de promover mais equidade, já que a defasagem não foi igual. Alguns grupos sofreram mais, algumas crianças ficaram mais para trás e esses programas precisam considerar isso, para que não tenhamos um cenário educacional no Brasil em que a gente observe uma explosão de desigualdade”, explica Tiago Lisboa Bartholo, um dos pesquisadores envolvidos no estudo.
Para recuperar esse tempo perdido vai ser necessário um trabalho estratégico que avalie a situação de cada grupo afetado, possibilitando que todos atinjam o mesmo nível de educação necessário para enfrentar as outras fases do ciclo escolar.
“Crianças pequenas foram privadas de muitas coisas durante a pandemia, mas podem se recuperar. Para isso, precisamos de bons programas. Precisamos de um bom diagnóstico de como as crianças estão retornando para a escola e de programas que sabemos que têm bons efeitos para recuperar a aprendizagem, como tutoria com grupos menores de crianças, principalmente aquelas que foram mais afetadas durante a pandemia”, diz Mariane Campelo Koslisnki, outra pesquisadora que trabalhou no estudo.
Estamos no caminho certo para que o novo coronavírus deixe de ser um problema para a sociedade. O que nos resta, nesse momento, é identificar os estragos provocados por dois anos de paralisia mundial nos diversos setores. Permitir que pessoas que abandonaram tratamento de saúde voltem a se cuidar dignamente, que os programas de tratamento preventivo sejam retomados, que a atividade econômica se mantenha forte e sustentável e que nossas crianças e adolescentes recebam a recuperação ideal do aprendizado defasado por causa do isolamento.
Se todas as áreas se recuperarem na maneira correta, estaremos de volta ao caminho do crescimento e da estabilidade social.