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Editorial

As diversas faces da escravidão moderna

São seres humanos marginalizados que se submetem à tirania de patrões só para manter o trabalho

26 de Agosto de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Trabalho escravo - Salto de Pirapora
Trabalho escravo - Salto de Pirapora (Crédito: MPT)

Estamos no século XXI. O mundo está há décadas integrado de todas as formas. A globalização dita as regras e faz que com um único toque possamos acessar informações e serviços de qualquer parte do planeta. É um orgulho, para todos nós, dizer que estamos mais evoluídos, mais capacitados a viver em sociedade. Só que a realidade, infelizmente, não é bem essa.

Vira e mexe nos deparamos com situações que nos remetem ao século XIX, talvez até a períodos mais sombrios da convivência humana. O choque inicial é grande, mas, em segundos, retomamos a nossa rotina, acreditando que hoje estamos em melhor situação que nossos antepassados.

No início desta semana, um fato, aqui mesmo na Região Metropolitana de Sorocaba, nos despertou para a triste realidade que ainda enfrentam alguns brasileiros. Uma operação conjunta realizada pela Inspeção do Trabalho, pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Federal localizou e resgatou nove trabalhadores que viviam em condições análogas à escravidão. E isso ocorreu aqui do lado, em Salto de Pirapora.

Segundo o MPT, os trabalhadores trabalhavam no corte de eucalipto. Os oito homens passavam o dia derrubando as árvores e a mulher era encarregada de cozinhar para eles. “Todos os trabalhadores estavam sem registro em carteira de trabalho, tendo sido abrigados em alojamentos na própria fazenda, em péssimas condições higiênicas e de conforto”, informou o relatório do Ministério Público do Trabalho.

Ainda de acordo com apuração do MPT, nos alojamentos não havia camas, nem armários ou mesas. Apesar do inverno rigoroso na região, eles não receberam roupa de cama e os cobertores eram insuficientes. “Os colchões, distribuídos pelo chão, foram pagos pelos próprios trabalhadores. A limpeza do alojamento era precária, com os alimentos sendo mantidos no chão, sujeitos ao contato com insetos e roedores. As refeições dos trabalhadores eram feitas de forma improvisada, utilizando lenha, pois não havia gás no botijão”, ressalta o órgão.

A operação revelou ainda que os trabalhadores alegaram que o contratante não cumpriu as promessas de pagamento e condições de trabalho ofertadas. Uma parte dessas pessoas, tratadas como escravos modernos, era moradora dali mesmo, da região de Salto de Pirapora. Uma outra parte do grupo foi trazida da região Nordeste do País para trabalhar na extração da madeira.

Os auditores fiscais do trabalho efetuaram o resgate e garantiram tudo o que a lei exige para regularizar a situação desses trabalhadores. Já os donos da fazenda e o comprador da madeira assinaram um termo de ajuste de conduta (TAC) prometendo acabar com essa situação e não repetir mais esse tipo de atitude. “O documento prevê o pagamento de todas as verbas rescisórias, além dos salários que não haviam sido pagos e uma indenização por dano moral individual no valor de R$ 5 mil para cada trabalhador. Como forma de reparar os danos morais coletivos, os signatários destinarão R$ 20 mil para o Centro de Apoio e Pastoral do Migrante”, informou o MPT.

Esse é um caso extremo, denunciado, investigado e solucionado pelos órgãos fiscalizadores. Mas há muita irregularidade por aí camuflada pelo silêncio e pela necessidade que algumas pessoas têm de garantir algum sustento, a própria sobrevivência. São seres humanos marginalizados que se submetem à tirania de patrões só para manter o trabalho, que, apesar de precário, garante o pão na mesa.
Essa não é uma realidade apenas do Brasil. Tem muito país por aí que posa de desenvolvido, mas que enfrenta os mesmos dramas. Isso sem falar naquelas nações que costumeiramente desrespeitam os direitos do trabalhador. Exploram a força de trabalho com jornadas longas e cansativas e nem se preocupam com as condições insalubres para exercer a profissão.

Devemos estar atentos a tudo isso. Denunciar histórias de maus-tratos que nos chegam, orientar quem enfrenta esse drama diariamente e boicotar produtos oriundos de empresas que não respeitem o trabalhador. Só assim teremos a chance de entregar um mundo um pouco melhor para nossos filhos e netos.