Editorial
Enquanto o inverno europeu não chegar
A chegada do frio vai exigir um consumo maior de gás, de petróleo, de carvão e de outras fontes que produzam calor
Depois de um forte impacto inicial, a invasão da Ucrânia pela Rússia começa a perder seus efeitos globais. No noticiário geral, o tema já deixou as manchetes faz tempo. O preço do petróleo cedeu e aos poucos a cadeia de grãos, fortemente impactada nos primeiros meses da guerra, começa a dar sinais de acomodação.
Segundo a FAO, a agência das Nações Unidas para alimentos, o índice de preços caiu novamente em julho, distanciando-se cada vez mais dos recordes alcançados em março.
O índice de preço dos alimentos mais comercializados no mundo todo caiu de 154,3 em junho para 140,9 em julho. Mesmo assim ainda está 13% acima do registrado em julho de 2021.
“O declínio nos preços das commodities alimentares frente a níveis muito altos é bem-vindo, no entanto, muitas incertezas permanecem”, explicou o economista-chefe da FAO, Maximo Torero.
Os índices de preços de óleos vegetais, açúcar, laticínios, carnes e cereais registraram quedas em julho. O trigo recuou 14,5%, em parte devido a um acordo firmado para desbloquear as exportações de grãos de portos do Mar Negro.
O índice de preços do milho caiu 10,7% em julho, também refletindo o acordo Rússia-Ucrânia, bem como o aumento da disponibilidade sazonal dos principais produtores, Argentina e Brasil, informou o comunicado da FAO.
O acordo entre Rússia e Ucrânia, patrocinado pela Turquia, permitiu que a safra produzida pelos ucranianos começasse a ser escoada pelos portos do sul do país. Vários navios já se preparam para partir de Odessa. Essa notícia foi suficiente para acalmar o mercado internacional.
Só que o problema está longe de ser resolvido. A cada dia que passa, a Europa se aproxima do inverno e a chegada do frio vai exigir um consumo maior de gás, de petróleo, de carvão e de outras fontes que produzam calor.
Boa parte dos países europeus depende do gás distribuído pela Rússia, que tem reduzido o fornecimento em represália às sanções econômicas impostas pelos vizinhos de continente. A situação é grave e os governantes sabem disso. Já jogaram quase todas as cartas disponíveis para tentar virar o jogo, mas nada deu certo. A inflação segue em alta e a incerteza acompanha o mesmo ritmo.
A Rússia tem experiência em esperar. O inverno, em todas as guerras que participou, foi seu maior aliado. Foi assim contra as tropas de Napoleão e contra os nazistas. Ambos tinham exércitos muito maiores e foram aniquilados. Putin sabe disso e traça a sua estratégia de olho no calendário. Espera a chegada do frio para trocar gás por territórios na Ucrânia. Sem um líder forte, a Europa caminha para a armadilha russa.
Esse impasse todo acaba gerando uma perspectiva econômica global sombria, para os próximos meses. A volatilidade das moedas e o alto preço dos fertilizantes -- que podem afetar a produção futura e os meios de subsistência dos agricultores -- representam sérias pressões para a segurança alimentar global. A indústria europeia revisa seus planos de crescimento. Se houver a necessidade de racionar energia, os empresários sabem que terão que reduzir as atividades para aquecer a população.
Putin tem aliados fortes na China e na Índia. Juntos controlam o fluxo de quase tudo que é produzido no planeta. Com as rédeas na mão, fica mais fácil ditar as regras.
E isso vale para todos os setores. A queda no preço dos alimentos, registrada nas últimas semanas, pode não durar muito tempo. E isso pode ser um grande desafio para o mundo. O Brasil deve sentir menos esse problema. Como grande exportador mundial de grãos, de frutas e de carnes, a inflação lá fora só beneficia nosso setor produtivo. As coisas podem voltar a se complicar por aqui, se o preço do barril do petróleo retomar a trajetória de alta registrada no início da guerra. Só que esse movimento não interessa a mais ninguém. O combustível caro afeta diretamente a produção de energia e aumenta a dependência do gás russo nos meses de inverno. E governante nenhum vai querer passar o fim do ano enfrentando o dragão da inflação.