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Editorial

Os desafios da vida em sociedade

Quanto maior o número de regras e de leis, mais complicado fica se adaptar a todas elas

24 de Julho de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Romaria de Aparecidinha
Romaria de Aparecidinha (Crédito: ADIVAL B. PINTO)

Conviver em sociedade é um exercício diário de tolerância, de adaptação a novas realidades, de mudanças de hábitos e de muita paciência. Alterar uma rotina ou uma tradição nem sempre é fácil, às vezes demora anos, décadas, para que todos se acostumem ao ‘status quo‘ vigente.

No mundo atual, com a informação correndo de forma mais acelerada, a cobrança para os novos infratores é exigida em intervalos de tempo cada vez menores. E isso provoca conflitos ideológicos e até físicos.

A romaria de Aparecidinha, por exemplo, manteve por mais de um século a tradição de celebrar a passagem da imagem de Nossa Senhora com uma grande queima de fogos. Era uma festa para os fiéis que se emocionavam durante o rito.

Os tempos mudaram e em 2016 o padre José Antônio Leite de Oliveira, na época pároco do Santuário de Aparecidinha, pediu que a tradição fosse suspensa devido a uma agressão física sobre a ponte Francisco Delosso, no centro da cidade. Um morador irritado com o barulho agrediu o rapaz encarregado de soltar os fogos. No ano seguinte uma lei municipal proibiu a utilização de fogos de artifício que causassem poluição sonora, como estouros e estampidos, acima de 65 decibéis nas áreas públicas do município. Quem desrespeitar a regra corre o risco de ser multado.

Passados cinco anos da lei, até hoje alguns devotos da Santa comemoram sua passagem com uma rajada de fogos, apesar dos protestos de protetores de animais, ambientalistas e outros críticos.

A Lei do Silêncio vem na mesma toada. A cada legislatura, surge um novo projeto para endurecer as punições daqueles que insistem em fazer barulho após as 22 horas.

Agora em julho, foi a vez do vereador Ítalo Moreira (PSC) propor mudanças no projeto. A reação dos músicos foi imediata. Eles foram à Câmara pressionar o vereador a retirar da proposta trecho que previa a apreensão dos instrumentos musicais. O novo texto ainda está em tramitação na Câmara, mas o vereador garantiu que essa reivindicação já foi contemplada.

Pela lei atualmente em vigência, está proibida a emissão de ruídos produzidos por quaisquer meios ou de quaisquer espécies, com níveis superiores a 85 decibéis para ruído contínuo ou intermitente. A legislação estabelece limites diferentes para o período do dia, que vai das 6h até as 22h, e o período da noite, onde os limites são menores, indo das 22h até as 6h. Nos domingos e feriados, entre as 22h e 9h.

E o poder público tem fiscalizado e multado, com bastante empenho, quem insiste em desobedecer essa regra. Os pancadões e as festas que viram a madrugada com som alto, espalhados por vários bairros, quase sempre são o alvo preferido das operações.

Só que nem a prefeitura, responsável pela fiscalização, escapou das críticas dos moradores por conta do som elevado, tarde da noite. Os primeiros dias da Festa Julina Beneficente, que ocorre no Parque do Paço, geraram muitas queixas. Na primeira semana do evento, o som só foi parar bem depois da uma da madrugada. As reclamações foram muitas e a organização acabou adotando medidas para evitar que o barulho ultrapassasse a meia-noite. Essa medida, apesar de ainda infringir a letra da lei, fez diminuir o número de descontentes.

Discutir os limites e os direitos de cada um é uma situação bastante complexa. Quanto maior o número de regras e de leis, mais complicado fica se adaptar a todas elas. É difícil julgar quem realmente está com a razão em cada uma das situações. Não se sabe, na prática, até onde um ato que traga benefício para a comunidade deve suplantar o interesse de um determinado indivíduo. Essa área cinzenta, a cada mudança criada, vai gerar uma série de conflitos. Esses conflitos só acabam depois que as novas diretrizes estejam pacificadas e respeitadas por todos nós.