Editorial
As fraudes e os planos de saúde
Todo tipo de fraude, em qualquer campo de atuação, prejudica, e muito, toda a sociedade
A Polícia Civil de Sorocaba deflagrou, na quinta-feira (14) a Operação Mendacium com o objetivo de apreender objetos e documentos relacionados à expedição de guias de encaminhamento médico, emitidas de forma fraudulenta em uma clínica de psicologia no Jardim Vergueiro. Em latim, mendacium significa mentira.
As investigações desse caso tiveram início quando a polícia recebeu denúncias de que pelo menos cinco médicos tiveram seus carimbos pessoais e assinaturas falsificadas. As operadoras dos planos de saúde consultaram os médicos para saber se eles reconheciam as próprias assinaturas nas guias de encaminhamento médico para acompanhamento psicológico. Com a negativa deles, o boletim de ocorrência foi registrado.
Na sequência das investigações, o setor identificou que as guias de encaminhamento médico foram pagas pelas operadoras de saúde, num montante que ainda está sendo apurado, mas que pode ultrapassar a casa de um milhão de reais. A clínica sob suspeita foi credenciada pelas operadoras de saúde há cerca de um ano e realizou mais de 3 mil atendimentos médicos.
E a situação parece não ser nova. O mesmo tipo de crime já teria sido praticado pela proprietária da clínica em 2016. O caso já estava sendo apurado e a mulher deve ser indiciada.
Na casa dela, localizada num condomínio de alto padrão, foram apreendidos um notebook, um aparelho celular e a agenda de consultas. Já na clínica de psicologia, foram apreendidos dois notebooks, diversas guias de encaminhamento falsas e dois celulares.
A mulher investigada foi indiciada por estelionato, falsificação de documento particular e falsidade ideológica, penas que se somadas podem chegar a 15 anos de prisão.
Este fato, registrado em Sorocaba, não é único no País. As fraudes custam às operadoras de planos de saúde no Brasil quase R$ 20 bilhões e elevam em cerca de um terço o custo dos procedimentos médicos para os pacientes, segundo dados do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Em última análise, esse tipo de crime prejudica toda a população, impedindo o avanço na qualidade dos serviços de saúde prestados.
Um levantamento feito em conjunto pela IESS e pela PwC Brasil revelou que inexistem, atualmente, mecanismos efetivos de controle e monitoramento transparente para regulamentar as interações entre agentes do setor e prevenir as fraudes de maneira eficaz -- lembrando que as fraudes entre os agentes de saúde suplementar podem assumir variadas formas.
O estudo foi além das análises e chegou a um conjunto de medidas regulatórias e legislativas necessárias para prevenir e combater fraudes no sistema privado de saúde e de ações econômicas e de implementação de políticas de transparência.
Como a legislação brasileira apresenta deficiências na regulamentação de mecanismos de controle, prevenção e combate à fraude e corrupção no setor de saúde privado, o relatório propõe uma agenda a ser conduzida pelo Poder Público (Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público, entre outros) a partir da identificação das principais práticas fraudulentas, seus impactos sobre a cadeia de valor da saúde e quais leis e projetos de leis em trâmite no Brasil podem contribuir para solucionar o problema. Conforme as conclusões do estudo, é preciso ainda repensar o modelo de pagamento e implementar medidas que aumentem a transparência das relações, o que também determinará a potencial redução de custos e aumento do acesso à informação pela população.
Todo tipo de fraude, em qualquer campo de atuação, prejudica, e muito, toda a sociedade. O desvio de recursos de uma empresa faz com que ela precise, constantemente, reajustar os preços para não quebrar. É o que acontece com os planos de saúde. Cada procedimento irregular pago pela operadora impacta no valor global do serviço e isso é repassado a todos os clientes. Mas não são só as fraudes criminosas que obrigam os planos de saúde privados a reajustar suas mensalidades. Procedimentos, muitas vezes desnecessários ou exagerados, solicitados pelos médicos, clínicas e hospitais também contribuem para essa escalada de valores.
Se todos fizerem a sua parte corretamente e a polícia coibir os crimes, que são exceção, já teremos um cenário bem melhor para todos que precisam de atendimento de saúde e sofrem para, cada mês, pagar sua mensalidade. O bom senso deve prevalecer em benefício da coletividade.