Este mês, no dia 18, comemoramos o Dia Nacional do Livro Infantil. A data foi escolhida por marcar o nascimento de Monteiro Lobato, um de nossos maiores escritores. Apesar de seu nome ser associado à literatura infanto-juvenil, Monteiro Lobato era um grande crítico social. Discutia em suas obras, entre outras coisas, as mazelas do homem do campo. O Jeca Tatu, um personagem criado por ele, virou símbolo de uma era.

Outra fábula escrita por ele está se tornando cada vez mais atual. Quem não se lembra de Américo Pisca-Pisca o homem que tinha o hábito de por defeito em tudo. E um sonho o movia, reformar a natureza.

Para ele, o mundo estaria totalmente errado e a natureza só havia feito asneira. Numa das passagens da história, Américo analisa as injustiças cometidas num pomar.

‘Aqui mesmo, neste pomar, você tem a prova das asneiras da natureza‘, sentenciava Américo. ‘Ali está uma jabuticabeira enorme sustentando frutas pequeninas, e lá adiante vejo uma colossal abóbora, presa ao caule de uma planta rasteira. Não era lógico que fosse justamente o contrário? Se as coisas tivessem de ser reorganizadas por mim, eu trocaria as bolas, passando as jabuticabeiras para a aboboreira e as abóboras para a jabuticabeira. Não tenho razão ?‘ bradava, o orgulhoso Américo diante de seu projeto mirabolante.

Para encurtar o assunto, e chegarmos ao fim da história, dias depois Américo pegou no sono debaixo de uma jabuticabeira. Após alguns minutos uma fruta se desprendeu da árvore e caiu no nariz do nosso filósofo.

Assustado, Américo acordou e pensou no que tinha acontecido e agradeceu por não ter pendurado abóboras em árvores. Desde esse dia, o reformador da natureza deixou de lado seus delírios.

Essa fábula, apesar de singela, fala muito sobre os dias de hoje. Está cheio de gente por aí querendo mudar tudo. Sem pensar nas consequências. No mundo da política é fácil encontrar esse tipo de exemplo.

A Câmara de Sorocaba tem sido palco de vários desses arroubos reformadores. Um dos projetos de lei quer obrigar motoristas, motociclistas ou ciclistas a prestar socorro a animais atropelados. O texto estabelece que o autor do acidente preste imediato socorro ao bicho, ou, não podendo fazê-lo diretamente, por justa causa, solicita auxílio da autoridade pública. Quem desrespeitar a lei pagará multa de R$ 1 mil.

Só faltou o autor do projeto definir como tal procedimento será realizado. Para onde será levado o animal ? Quem arcará com os custos do tratamento? Se o animal for agressivo, que instituição deverá ser chamada para fazer o resgate ? Vai ter um Samu de bicho ? De que forma será responsabilizado o dono do animal, que deixou que ele fugisse ? O dono do animal em contrapartida pagará os danos causados ao veículo ? Se for um bicho sem dono, a responsabilidade passa a ser da prefeitura ?

Há um mundo de perguntas sem respostas, e sem previsão legal, um projeto como esse, com tantas pontas soltas, nem deveria chegar ao plenário.

E essa não é a única ideia debatida este mês. Na mesma Câmara tramita um projeto de decreto legislativo que cria o ‘Selo Restaurante Amigo do Bariátrico‘. A ideia é que rodízios, buffets livres e festivais gastronômicos ofereçam 30% de desconto para pessoas que se submeteram a cirurgias de redução de estômago. A justificativa do autor da proposta é que após as cirurgias, as pessoas comem menos e merecem desconto. Daqui a pouco ele vai pensar também em pedir aos cabeleireiros desconto para calvos e carecas. Às barbearias será pedido desconto para quem tem só um bigodinho. E a lista pode seguir indefinidamente.

Voltando às pessoas que precisaram se submeter a uma cirurgia bariátrica, um procedimento médico que deve ser encarado com muito respeito, o melhor amigo desse paciente é aquele que não o convida para um rodízio, nem para uma churrascaria. O verdadeiro amigo do bariátrico quer vê-lo saudável, em boa forma física, sem que outros tratamentos ainda mais agressivos sejam necessários. O bariátrico luta por uma condição de saúde melhor, não por descontos.

Muitas ideias surgem na cabeça dos reformadores da natureza. Só que para colocá-las em prática é necessário muito estudo, muito cuidado ou poderemos acordar um dia, debaixo de uma árvore. Atingidos por uma abóbora.