Editorial
A fome e a inflação dos alimentos
A FAO reconhece que a guerra pode elevar em até 20% o preço de alimentos ao redor do mundo
O Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) alertaram que quanto mais tempo durar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia pior será o cenário econômico que os países terão que enfrentar nos próximos anos. A inflação dos alimentos deve disparar e há risco de convulsões sociais em várias nações, principalmente às que tem mais dificuldade em combater a pobreza e garantir as condições mínimas de sobrevivência a suas populações.
Num evento realizado na terça-feira (19), o presidente do Banco Mundial, David Malpass, afirmou que a invasão russa à Ucrânia pesa na produção de alimentos e, em razão do impacto nos preços de fertilizantes, ameaça safras futuras. De acordo com o executivo, a elevação sobre custo da alimentação tem sido maior que a do índice geral de preços ao consumidor. E o impacto é proporcionalmente mais intenso entre os mais pobres, que dedicam uma fatia maior da renda para se alimentar.
Estimativas do Banco Mundial apontam que um aumento de 1% no preço dos alimentos pode lançar 10 milhões de habitantes do planeta na pobreza extrema. Segundo Malpass, a insegurança alimentar cresce mais rápido nos países de renda média neste momento. Mas as nações de baixa renda também estão entre as afetadas.
Já a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse que é crucial haver ações “rápidas e coordenadas” para manter o comércio entre os países, prover apoio às famílias vulneráveis e garantir “suprimentos agrícolas significativos”, bem como de reduzir pressões financeiras.
É isso que o Brasil tenta fazer desde o início do conflito entre russos e ucranianos. O governo Bolsonaro tem pedido, constantemente, que o comércio de fertilizantes entre a Rússia e os demais países produtores de alimentos fique de fora das sanções impostas a Putin. Só que os apelos brasileiros não têm sido ouvidos.
Numa reunião, em Brasília, com a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala, o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, pediu que a OMC interfira na liberação da venda de fertilizantes e insumos agrícolas. Segundo o chanceler brasileiro, o organismo internacional deve atuar para evitar o agravamento dos desequilíbrios alimentares em todo o planeta, já que a Rússia é um dos principais produtores mundiais de fertilizantes químicos. “É necessário manter o livre fluxo das matérias-primas para a agricultura e impedir a interrupção das cadeias de produção de alimentos”, disse França. Além da Rússia, as sanções abrangem também as importações de Belarus, outro grande produtor de insumos agrícolas.
Sobre o pedido brasileiro, a diretora-geral da OMC prometeu analisar a questão. O problema é o tempo que isso pode levar. A agricultura não segue o mesmo calendário da política. Se os países produtores de grãos perderem as janelas de plantio ou cultivarem as áreas sem as devidas condições técnicas, o resultado será sentido no final da safra. Vai faltar alimento e o preço subirá. Essa é a lógica do mercado: pouca oferta, muita procura, preços na altura.
Desde março, a ex-ministra da Agricultura, Tereza Cristina, iniciou negociações com diversos países do mundo na tentativa de substituir os insumos importados da Rússia e garantir nossos estoques. Diante das dificuldades encontradas, ela propôs ao diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, a FAO, para que fertilizantes fossem incluídos no mesmo rol de circulação de alimentos em tempos de conflitos. Isso foi no dia 16 de março e até agora nada mudou.
A própria FAO reconhece que a guerra pode elevar em até 20% o preço de alimentos ao redor do mundo. Se o Banco Mundial estima que cada um por cento de elevação nos preços dos alimentos joga 10 milhões de pessoas na pobreza extrema, teremos mais de 200 milhões de habitantes nessa situação já no próximo ano.
Só que os outros líderes mundiais parecem não enxergar o problema e o desejo de vingança contra Putin é maior que o bem-estar do planeta. Enquanto isso, a economia global vai perdendo força. Na segunda-feira (18), o Banco Mundial reduziu sua previsão de crescimento global para 2022 de 4,1% para 3,2%. O FMI seguiu o mesmo caminho e rebaixou as previsões pela segunda vez neste ano, e agora espera uma alta de 3,6% no PIB de 2022. O número é 0,8 ponto percentual menor que o da previsão de janeiro.Já as análises do FMI para o Brasil vão em sentido oposto. A previsão do nosso PIB subiu de 0,3% para 0,8%. E devemos escapar da grande recessão mundial que se avizinha.
Desde antes da invasão russa na Ucrânia, o governo Bolsonaro deu o alerta para o risco da escassez mundial de alimentos e está lutando com as armas que tem para reverter essa situação. Mas está difícil vencer a barreira imposta por Biden e seus aliados. Tomara que o despertar não seja tardio demais para milhões de pessoas.