Editorial
Uma guerra combatida nas sombras
O governo pisa em ovos na hora de tomar uma decisão e vai ser impossível contentar todas categorias
A Receita Federal decidiu prorrogar, para 31 de maio, o prazo para a entrega da declaração do Imposto de Renda de 2022. Esse é o terceiro ano consecutivo que isso ocorre. O limite para quem pretende quitar o imposto a pagar por meio de débito automático a partir da primeira parcela também foi adiado, para 10 de maio -- anteriormente, o estabelecido era 10 de abril. A opção de pagamento agendado ficará disponível a partir da segunda parcela, para quem apresentar a prestação de contas ao Fisco a partir de 11 de maio -- e até o fim da data permitida.
O calendário de pagamento das restituições não foi alterado. O primeiro, dos cinco lotes previstos, começa a ser creditado em maio. O último, em setembro.
A diferença, este ano, está nos motivos que provocaram essa decisão do governo. Desde o ano passado, os auditores-fiscais da Receita Federal ameaçam complicar a vida do Ministério da Fazenda se não forem atendidos em uma série de reivindicações salariais e de carreira. O cronograma do Imposto de Renda de 2022 já saiu prejudicado na origem.
O movimento começou com paralisações pontuais, entrega de cargos de confiança e operação-padrão (aquela em que os funcionários diminuem o ritmo de trabalho para dificultar o andamento das atividades). Os próprios auditores disseram, em várias entrevistas, que o programa que permite a declaração do IR poderia estar cheio de “bugs” (defeitos de programação) que dificultariam a vida de quem quisesse acertar as contas com o Leão. E que a falta de funcionários impediria que as atualizações e correções fossem feitas. A intenção era demonstrar ao governo a insatisfação da categoria após o anúncio de que só as carreiras policiais teriam reajuste este ano.
Esse tipo de ameaça contaminou todo o ambiente financeiro do País. Outras categorias também adotaram o mesmo caminho dos auditores-fiscais da Receita Federal.
Desde primeiro de abril, e por tempo indeterminado, os funcionários do Banco Central decidiram entrar em greve. E o nível de enfrentamento aumentou. O sindicato que representa a categoria (Sinal) chegou a considerar a hipótese de interrupção, total ou parcial, do sistema Pix, da distribuição de cédulas e moedas, das operações de mercado aberto, da divulgação do Boletim Focus (com as projeções de economistas), dificultando até o funcionamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB).
Algumas dessas represálias já tiveram início. E a chantagem saiu do discurso e passou à pratica. E isso feito por uma categoria em que boa parte dos funcionários recebe cerca de R$ 26 mil por mês, fora os benefícios. Para ser ter uma ideia, a média salarial do brasileiro fechou o ano de 2021 em R$ 1.921,00.
O Banco Central faz o possível para contornar essa crise provocada pela greve. Em nota, afirmou ter planos de contingência para “manter o funcionamento dos sistemas críticos para a população, os mercados e as operações das instituições reguladas, tais como Sistema de Transferência de Reservas (STR), Pix, Selic, entre outros”. Mas a maioria desses sistemas é gerenciada automaticamente, num mundo totalmente virtual, e fica difícil impedir ações que travem seu funcionamento e compliquem as operações.
O governo pisa em ovos na hora de tomar uma decisão. A Medida Provisória que reajustaria os salários das carreiras policiais está, por enquanto, suspensa até que se resolva o “imbróglio” com as demais categorias. A verba disponível no Orçamento deste ano para elevar a remuneração dos servidores é de R$ 1,7 bilhão, e vai ser impossível contentar a todos.
O que não se pode admitir, nesse momento de recuperação econômica, é que uns poucos servidores, de polpudos salários, atrapalhem o crescimento do País. Quem trabalha na Receita Federal e no Banco Central sabe dos esforços que estão sendo feitos para que se consiga garantir o mínimo de renda para quem tanto sofreu durante a pandemia. E não é justo, na atual conjuntura, pensar apenas no próprio umbigo.