Editorial
Para tentar entrar nos trilhos
Recentes alterações no arcabouço regulatório estão facilitando o investimento em ferrovias no Brasil
Durante muito tempo, o Estado de São Paulo ficou conhecido como a “Locomotiva do Brasil”. E isso não era mera figura de linguagem por conta da sua importância dentro da federação. Em seu auge, na década de 1940, a malha ferroviária paulista chegou a ter uma extensão de 8,6 mil quilômetros, somadas as estradas de ferro particulares, estaduais e federais.
A decadência do setor após o ciclo do café, acentuada com a concorrência do transporte rodoviário, reduziu esse número para os 5,7 mil quilômetros atuais. Destes, grande parte é de propriedade da União, que já tinha o controle de antigas empresas como a Noroeste, a E.F. Santos Jundiaí e a Central do Brasil, e com quem a antiga Ferrovia Paulista S/A (Fepasa) foi negociada em 1998 pelo Governo do Estado como pagamento de dívidas.
Desde a desestatização do setor, na segunda metade da década de 1990, o investimento em algumas rotas que atravessam o Estado contrasta com o abandono de outras. Um levantamento do Grupo de Trabalho de Ferrovias (GF Ferrovias) do governo paulista mostrou recentemente que a malha ativa de trilhos em São Paulo (2.390 km) é menor do que a metade do total -- apenas 46% dos 5,7 mil quilômetros. Uma das linhas nessa situação é a atual Malha Oeste, a qual compreende parte da antiga Estrada de Ferro Sorocabana (EFS) entre Bauru e Mairinque, passando por Sorocaba.
A operação pela iniciativa privada em substituição à antiga Fepasa, iniciada em janeiro de 1999, trouxe várias propostas de recuperação para essa ferrovia. Como o projeto Vetria, que previa o transporte de minério entre Corumbá (MS) e Santos (SP), ou o Corredor Ferroviário Central, unindo os portos de Santos (Atlântico) e Ilo (Pacífico), no Peru.
Entretanto, ao longo de 23 anos de concessão, as empresas que se sucederam não conseguiram reverter a degradação e dilapidação do patrimônio público, culminando no pedido de relicitação da concessão (devolução negociada) pelo atual concessionário -- último de uma longa lista (Ferroban, Brasil Ferrovias, Novoeste, América Latina Logística e Rumo) -- junto ao Ministério da Infraestrutura.
Uma das mais recentes propostas de reativação vem do Palácio dos Bandeirantes e passa pelo Plano Estratégico Ferroviário (PET), que a Secretaria de Logística e Transportes (SLT) do Governo do Estado planeja criar para alavancar o modal sobre trilhos em São Paulo, promovendo o desenvolvimento econômico sustentável. O recém-criado GT Ferrovias já tem realizado reuniões e audiências com prefeitos de todo o Estado, bem como as entidades representativas do setor, para ouvir as demandas e levantar soluções técnicas.
De forma integrada, os governos de Mato Grosso do Sul e do Estado de São Paulo sinalizam que vão unir forças para reativar a Malha Oeste, por meio da criação de planos estaduais de ferrovias, podendo traçar, em conjunto, estratégias mais ágeis para operacionalizar e reativar os mais de 1,9 mil km de Corumbá (MS) até Mairinque (SP).
Por outro giro, a União dá andamento ao processo de relicitação da concessão, tendo sido contratado um consórcio para realizar os estudos de viabilidade técnica e econômica que apontarão o modelo mais adequado para a futura exploração do negócio.
A Malha Oeste teve a qualificação recomendada no Programa de Parceria de Investimentos (PPI) do governo federal em dezembro de 2020, após o pedido de relicitação impetrado pela Rumo, e a relicitação é prevista para acontecer em 2024.
Recentes alterações no arcabouço regulatório estão facilitando o investimento em ferrovias no Brasil. Como o programa federal Pró-Trilhos, que incentiva a construção de ferrovias por autorizações. A modalidade, que já existiu nos tempos do Império, foi reinstituída no País pela medida provisória 1.065/21 e pela lei 14.273/2021 -- esta, originária do PLS 261 apresentado ao Senado em 2018. Outra saída é a implantação de “shortlines”, ferrovias alimentadoras curtas muito comuns nos Estados Unidos, e que serão incentivadas pelo futuro PEF do governo de São Paulo.
Independentemente da solução adotada, o mais importante é que ela, de fato, recoloque a Malha Oeste nos trilhos, de forma a assegurar que a ferrovia será a melhor solução logística para a redução no volume de cargas que abarrota as rodovias sul-matogrossenses e paulistas, ironicamente paralelas à Malha Oeste.