Festa popular
Carnaval no meio de guerra e pandemia
Infelizmente, há uma parcela da população que não aceita ficar sem Carnaval, independentemente da situação ou do motivo
Uma das maiores qualidades dos brasileiros -- principalmente entre os estrangeiros, sobretudo os mais sisudos -- é a espontaneidade e o calor humano. Para eles, somos um povo “alegre”. O problema é que, em algumas situações, os brasileiros exageram. E daí, o que era para ser uma “felicidade” se transforma em irresponsabilidade e até vergonha. O “Carnaval” deste ano é um desses exemplos.
O recente avanço da variante Ômicron e o aumento do número de infectados forçaram muitas prefeituras a suspenderem os desfiles e as festas de blocos, que levam multidões às ruas. Devido à fase ainda preocupante da pandemia, as apresentações das escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo, por exemplo, vão acontecer somente no final de abril.
Nesse sentido, o feriado -- ponto facultativo -- desses últimos dias pressupunha comedimento. A intenção era que não houvesse festas, aglomerações, blocos, desfiles e exageros. Obviamente a maior parte disso depende da consciência de cada um. E é justamente aí que está o problema.
Infelizmente, há uma parcela da população que simplesmente não aceita ficar sem Carnaval, independentemente da situação ou do motivo. Colocam a vontade pessoal de fazer festa acima das normas e do bom senso.
Em Sorocaba, por exemplo, o fim de semana prolongado foi marcado por ações preventivas da Guarda Civil Municipal (GCM) e da Polícia Militar (PM) para coibir eventos clandestinos. Na noite de sexta (25), equipes interromperam o evento chamado “Rolezinho de Carnaval”, no Parque das Águas, no Jardim Abaeté.
De acordo com os agentes, aproximadamente dois mil jovens -- predominantemente entre 14 e 25 anos -- estavam reunidos no local, com som alto, bebidas e prontos para festejar. Veículos irregulares foram autuados e guinchados, e dois estabelecimentos tiveram suas atividades encerradas.
No sábado (26), a situação se repetiu. Uma nova ação preventiva e de monitoramento, com 10 viaturas e 24 GCMs, dispersou um grupo de quase mil adolescentes no mesmo local. Felizmente, nos dois dias, não houve ocorrências de maior gravidade.
Contudo, no Rio e em São Paulo, o cenário foi outro. Na capital paulista, as festas privadas deram o tom, principalmente entre os mais abastados. Com ingressos que chegaram a custar até R$ 1.500, o evento Carnaval na Cidade levou cerca de 7.000 pessoas ao Jockey Club.
Já no Rio de Janeiro, os blocos de rua estavam proibidos de transitar nesse período, mas a folia não parou. Em muitos locais o cenário era típico de um Carnaval “normal”, com fantasias, brilho e serpentinas. Alguns cortejos e grupos de músicos resolveram sair às ruas. E nessas horas, o brasileiro ainda transforma o seu melhor no pior, usando artifícios para tentar driblar as normas.
Como a regra dizia que não poderia haver locomoção, alguns blocos ficaram fazendo festa parados, na tentativa de burlar a fiscalização. Não deu certo, claro. Ainda assim, a avenida Presidente Vargas, uma das principais da cidade, chegou a ser bloqueada pelos foliões, próximo à igreja da Candelária. Houve várias festas privadas. As únicas regras impostas eram o uso de máscara em local fechado -- teoricamente com multa de R$ 621 -- e a apresentação de comprovante de vacinação. Mas quem iria vigiar e cobrar?
Por fim, se levarmos em consideração o atual momento pelo qual passa a humanidade, com Covid e guerra na Ucrânia, querer festejar o Carnaval chega até a ser falta de consideração. Nos últimos dias, enquanto muitos brasileiros queriam ir para as ruas se esbaldar, as TVs mostravam quase que ininterruptamente povos de praticamente todo o mundo fazendo manifestações contra a guerra e de solidariedade ao povo ucraniano.
Enquanto por lá caem bombas e mísseis, aqui uma parcela da população lamenta não poder cantar “alalaô” nas ruas. Triste.
Após não ser realizado no ano passado por conta da pandemia, é compreensível que muitos foliões e adeptos do Carnaval fiquem desesperados pelo segundo ano seguido sem a festa. Mas é preciso ter bom senso, responsabilidade e considetação.
Do contrário, em vez de sermos identificados como um povo festivo e alegre, seremos vistos como descompromissados e irresponsáveis.