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Editorial

Hora de decidir a favor da população

STJ deve retomar hoje julgamento de recursos que envolvem o rol de coberturas dos planos de saúde

23 de Fevereiro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Arquivo / Agência Brasil )

Nesta quarta-feira (23) deve ocorrer em Brasília um julgamento que pode impactar a vida de milhares de usuários de planos de saúde pelo Brasil afora. Isso porque o Superior Tribunal de Justiça (STJ) marcou para hoje a retomada da análise de dois recursos envolvendo a obrigatoriedade de os planos de saúde oferecerem ou não aos seus usuários procedimentos que não estejam elencados no rol de coberturas mínimas estabelecido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A Corte vai definir se a lista de procedimentos e tratamentos instituída pela agência é exemplificativa ou taxativa. Ou seja, se ela deve ser interpretada ou não como parâmetro máximo de cobertura.

A decisão pode alterar o entendimento histórico dos tribunais do País, que há mais de 20 anos são predominantemente favoráveis a uma interpretação mais ampla e consideram a lista como referência mínima ou exemplificativa. Ou seja, que os planos de saúde têm obrigações além do mínimo. Hoje muitos tribunais do País possuem jurisprudência consolidada em favor de um rol exemplificativo, e só três adotam uma interpretação taxativa.

De acordo com especialistas, apesar de a ANS ter a competência para estabelecer um rol de cobertura básica, isso não significa que os planos não estejam obrigados a cobrir aquilo que não está na lista. Esse rol tem de ser interpretado como uma base para que os planos possam precificar os seus produtos e estabelecer as suas coberturas.

Na prática, a mudança no caráter da lista daria às operadoras de planos de saúde o direito de negar aos pacientes tratamentos que ainda não façam parte da lista da ANS, mesmo que tenham sido prescritos por médicos e possuam comprovada eficácia.

Se confirmado o entendimento, não seria mais possível que o usuário do plano de saúde recorresse à Justiça para garantir o atendimento.

O entendimento de que o rol de procedimentos é taxativo vai contra, inclusive, a ideia de que os planos contribuem com o sistema de saúde. Se definido como taxativo, o impacto para o sistema de saúde como um todo será muito ruim, porque os planos de saúde irão negar mais procedimentos e esses beneficiários vão acabar buscando esses tratamentos no SUS, sobrecarregando ainda mais o Sistema Único de Saúde.

A interpretação de que o rol é exemplificativo é mais ampla, e mais favorável aos consumidores. No entanto, uma divergência entre turmas do STJ fez com que, agora, os ministros tivessem que encontrar uma interpretação definitiva. O julgamento do caso no STJ teve início em setembro de 2021, mas foi interrompido por um pedido de vista da ministra Nancy Andrighi. O relator da matéria, o ministro Luis Felipe Salomão, já se manifestou e, em seu voto, acolheu o argumento das operadoras de que coberturas mais amplas gerariam desequilíbrio financeiro no setor. Na retomada do julgamento, Andrighi será a primeira a votar. Ela já deixou claro ter posicionamento diferente daquele apresentado por Salomão.

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a Lei de Planos de Saúde e a lei de criação da ANS tratam o rol como uma referência básica de cobertura. O Idec ressalta que a Lei de Planos de Saúde diz expressamente que todos os tratamentos das doenças incluídas na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS) são de cobertura obrigatória das operadoras.

Para os consumidores, que são sempre o lado mais vulnerável nessa relação, uma mudança no caráter do rol significaria uma perda imensurável e o risco de não poder acessar um tratamento no momento de maior necessidade. Com a proximidade do julgamento, as redes sociais passaram a ter, nos últimos dias, uma intensa mobilização. Celebridades, como o apresentador Marcos Mion, da TV Globo, entraram de cabeça na discussão. Mion, por exemplo, chamou a atenção para os riscos ao tratamento de pessoas autistas -- condição de um de seus filhos -- e pacientes de várias outras doenças que têm procedimentos e terapias negados pelas operadoras.

Que o STJ tenha, hoje, o bom senso de decidir a favor das pessoas que precisam de assistência médica, apoio e tratamento.