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Editorial

(Mais) Uma tragédia anunciada

Onze anos depois, Petrópolis (RJ) volta a ser palco de dezenas de mortes e destruição por conta das chuvas. Até quando?

17 de Fevereiro de 2022 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Florian Plaucheur / AFP)

Aconteceu novamente. Assim como no ano passado, no retrasado, no anterior, há cinco anos, há 10 anos, há 15 anos e por aí vai. Os locais se alternam, mas o drama invariavelmente volta a ocorrer. Como no caso de Petrópolis. A tragédia que se abateu ontem sobre essa cidade histórica do Rio de Janeiro é, lamentavelmente, algo recorrente no País. Em 2011, chuvas nessa mesma região serrana deixaram mais de 900 mortos. Agora, 11 anos depois, temos as mesmas cenas, no mesmo local, com a mesma consequência: destruição, morte, sofrimento, prejuízo.

O filme se repete. E no caso de Petrópolis, o que foi feito de 2011 para cá? Quais medidas de prevenção, quais melhorias, quais mudanças estruturais para evitar -- ou ao menos minimizar -- que uma tragédia desse porte acontecesse novamente? A resposta é essa mesmo que você imaginou, praticamente nada. Ou seja, não aprendemos nada com o evento que uma década atrás matou quase mil pessoas. Certamente não aprenderemos nada para evitar uma terceira catástrofe desse tipo no futuro.

As imagens registradas em Petrópolis são novamente chocantes. Gigantescos rastros de terra abertos nos morros de cima a baixo. Com o volume de água que caiu, a “capa” de terra e vegetação que recobre as pedras dos morros se desgarrou e desceu, arrastando tudo o que havia pela frente -- casas, pessoas, carros --, só parando no meio da cidade.

Choveu em poucas horas mais do que o esperado para o mês inteiro. O volume de chuva foi inédito para a região. Em menos de seis horas, o acumulado superou a média histórica de fevereiro, com estações meteorológicas do município marcando 260 mm (a média mensal é de 240 mm).

O resultado é um cenário de guerra. Lama encobrindo casas e ruas, carros amontoados e retorcidos como se fossem de brinquedo. Uma atmosfera desoladora, com dezenas de mortos -- ao menos 90 -- e desaparecidos.

Não faltam culpados nessa tragédia de Petrópolis. Quando se junta eventos climáticos agudos com políticos indiferentes, administradores incompetentes e população desassistida, o resultado é isso. Somente neste ano de 2022 já aconteceu na Bahia, em Minas Gerais, em Franco da Rocha (SP) e outros locais com menor gravidade. É uma combinação devastadora.

São tantos erros que é até difícil enumerá-los tamanha a quantidade de práticas irregulares e falhas cometidas há décadas. Trata-se de algo histórico e que só piora. O drama começa com um crescimento urbano completamente desordenado. Chega-se a uma ocupação desenfreada de áreas de risco, sobretudo em encostas, sem nenhum cuidado de engenharia, de saneamento, de escoamento de água, de estrutura de solo. E tudo isso com omissão e leniência do poder público desde sempre. Daí, quando uma chuva torrencial e atípica como essa aparece, o caos está formado. Até mesmo as vítimas têm culpa. Afinal, se arriscam construindo moradias em áreas de risco. Mas tiveram opções?

Por fim, há também o componente do aquecimento global, que tem acentuado a ocorrência de eventos climáticos agudos.

E o que fazer? Seria preciso uma ação conjunta entre os entes públicos de todas as esferas, para atuar em várias frentes. Uma delas seria um plano de moradias, para retirar, definitivamente, os moradores de áreas de risco. Mas quem tem coragem de abraçar uma tarefa dessa magnitude e arcar com o ônus da medida impopular? Isso não dá votos. Então o político prefere empurrar o problema com a barriga. Também seria preciso um plano de prevenção e infraestrutura nas cidades ameaçadas, com revisão de sistemas de esgoto, impermeabilização de solo, dragagem de rios, escoamentos, coleta de lixo, contenção de encostas, reflorestamento etc. E por fim ter na manga um plano emergencial que englobasse prevenção -- com investimento em análise metereológica nessas áreas de risco -- e agilidade na reação. Ou seja, é tanta coisa errada, durante tantas décadas, que fica praticamente impossível solucionar a questão.

Infelizmente, atualmente, só nos resta chorar os mortos, tirar a lama de casa, das ruas, e esperar a próxima tragédia.