Chuvas torrenciais
O nosso eterno drama das águas
Na maioria dos casos, as mortes e destruição decorrentes das chuvas são tragédias anunciadas que juntam irresponsabilidade e incapacidade
O Brasil e os brasileiros vivem uma realidade complicada em relação às chuvas. Adaptando aquele provérbio que diz “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, podemos afirmar que “se não chover sofremos com falta d’água, se chover sofremos com destruição e morte”.
Por muitos meses de 2021, durante a longa e preocupante estiagem, boa parte da população torceu para a chegada das chuvas. Por conta do baixo nível dos reservatórios, muitos Estados e cidades tiveram de implantar ações drásticas a fim de tentar evitar o colapso hídrico.
Racionamento e medidas emergenciais foram implantadas em centenas de locais. Aqui mesmo, em Sorocaba e região, foram vários meses lidando com problemas decorrentes da falta de chuva como queimadas em profusão, ar seco ao extremo e risco de faltar água.
Contudo, em nível nacional, quando as chuvas chegaram o problema rapidamente passou a ser outro: destruição e morte justamente por conta dos temporais. É uma espécie de sinuca de bico. A população sofre com a falta de chuva e também sofre quando a chuva chega.
A Bahia foi o primeiro exemplo. As chuvas e enchentes que atingiram o Estado desde o fim de 2021 deixaram, na primeira quinzena de janeiro, ao menos 27 mortos, mais de 550 feridos e cerca de 100 mil pessoas entre desabrigados (pessoas que precisaram sair de casa e estão em abrigos) e desalojados (pessoas que estão em casas de parentes ou amigos).
Ao menos 190 municípios baianos decretaram situação de emergência. O total de atingidos chegou a 965 mil pessoas, de acordo com a Defesa Civil do Estado.
O governo baiano calcula que o custo para reconstruir as estruturas destruídas pelas chuvas pode chegar a R$ 2 bilhões. Em Minas Gerais, outro Estado duramente atingido, foram mais de seis mil desabrigados e mais de 45 mil desalojados.
Agora é a vez de São Paulo passar por tal situação. Com os deslizamentos de terra ocorridos no final de semana em Franco da Rocha, perto da capital, a Defesa Civil já contabiliza ao menos 24 mortes em consequência das fortes chuvas -- sendo oito apenas nesse município, onde ainda há cerca de 10 pessoas desaparecidas, além de feridos.
Além de deslizamentos, os temporais também causaram transbordamento de rios, alagamentos, interdições de rodovias, ruas e avenidas.
Nos últimos dias também foram registradas perdas de vidas em deslizamentos de terra nas cidades de Várzea Paulista, Embu das Artes, Itapevi e Francisco Morato. Enxurradas causaram a morte de um homem de 61 anos em Jaú, um homem de 59 anos em Arujá e outro de 57 anos em Ribeirão Preto.
Das 24 vítimas registradas até o momento no Estado de São Paulo, ao menos dez são menores de idade -- oito crianças e dois adolescentes. Já há também pelo menos 660 famílias desabrigadas ou desalojadas.
Felizmente, apesar do grande volume de chuva dos últimos dias, Sorocaba e região ainda não registraram ocorrências de maior gravidade.
Desde sábado (29) praticamente todo o Estado de São Paulo está em alerta de perigo para chuvas intensas segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). O informe apontou chuva de até 100 milímetros por dia e ventos de até 100 quilômetros por hora, “com risco de corte de energia elétrica, queda de galhos de árvores, alagamentos e descargas elétricas”.
Infelizmente, essas ocorrências fatais em períodos de chuva forte são tragédias anunciadas no País. Claro que existem episódios causados por fenômenos agudos da natureza, impossíveis de controlarmos.
Porém, na grande maioria dos casos, essas tragédias são resultado de uma combinação: irresponsabilidade -- ou muitas vezes necessidade -- das pessoas construírem moradias em áreas de risco, como encostas de morros, e incapacidade do poder público de vigiar e coibir tais ilegalidades.
É uma triste realidade que há décadas vem trazendo dor e sofrimento a muitas famílias.