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Imunização

Que tal educar para evitar punir?

A despeito das imposições legais, para a população se proteger da Covid-19, nada será tão consistente quanto o bom senso

14 de Janeiro de 2022 às 00:53
Cruzeiro do Sul [email protected]
Bom senso é o caminho para enfrentar a pandemia
Bom senso é o caminho para enfrentar a pandemia (Crédito: Divulgação/Secom Sorocaba)

Embora integradas à maioria das leis e arraigadas em todas as culturas ao redor do planeta, as punições, por si só, demonstram ser incompetentes para lidar com questões coletivas elementares desde as primitivas civilizações. Neste momento, diante da crise sanitária sem precedentes provocada pela Covid-19, fala-se, por exemplo, em penalidades para os cidadãos que se recusam a ser imunizados com vacina ou deixam de usar máscara de proteção nos locais obrigatórios. Algumas regiões até já adotaram multas e outros instrumentos restritivos com o objetivo de obrigar as pessoas a se protegerem contra a infecção e evitarem transmitir o novo coronavírus para familiares, amigos e colegas de trabalho ou de escola.

Ninguém pode negar que esse tipo de iniciativa pretende o bem-estar individual e coletivo, afinal, é a preservação da vida que está em jogo. Porém, a história é pródiga em demonstrar que castigar sem conscientizar, esclarecer, educar e, principalmente, sem engajar, não passa de mera demagogia -- as outrora populares “leis para inglês ver”. Crônicas da antiga Babilônia imortalizaram as cruéis execuções de ladrões, estupradores e mentirosos em plena vigência da famosa Lei de Talião -- cujo lema era “olho por olho, dente por dente” --, prevista no Código de Hamurabi. Avançando milênios na história da humanidade, acompanhamos, surpresos, o crescimento incessante da violência no trânsito, apesar das multas e demais dispositivos legais cada vez mais rígidos destinados a evitar, por exemplo, o excesso de velocidade nas vias urbanas e rodovias.

A prática, por sua vez, demonstra que toda e qualquer atitude ou concepção extremada leva a resultados adversos. Defensores da ponderação -- “nem oito nem oitenta” --, sanitaristas do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo (Cepedisa/USP) alertam que, conquanto a ausência completa de possibilidade de punição também não seja benéfica, não há dados experimentais demonstrando que o caráter sancionatório funcione para mudar comportamentos. Ou seja, muitas pessoas não deixam de fazer algo por medo da pena, mas por acharem que não serão pegas.

O melhor resultado, de acordo com os especialistas da USP, pode ser conquistado por meio da conscientização. Também ajudaria muito, na atual circunstância, que todos os poderes brasileiros apresentassem um único discurso voltado à maneira de enfrentar o vírus. Isso, certamente, contribuiria muito mais do que qualquer tipo de sanção em vigor ou que venha a ser adotada no futuro. Lamentavelmente, enquanto os discursos das autoridades seguem contraditórios ou na contramão da ciência, a população vai ficando ainda mais confusa.

Estudos do Cepedisa sugerem que, diante da desorganização reinante nos meios oficiais, é razoável a adoção de medidas que restringem o acesso de não vacinados a locais públicos ou impedem que essas pessoas consigam tomar determinadas ações. Isso pode, por consequência, incentivar a aceitação à imunização, conforme alguns exemplos. No Canadá, a província de Quebec anunciou a cobrança de um imposto de 12,8% dos moradores que não se vacinaram. Na semana passada, a mesma província determinou a necessidade de comprovante de vacinação para adquirir alguns produtos em lojas do governo. Essa medidas teriam aumentado a busca por imunizantes em 300%, de acordo com um tuíte do ministro da Saúde, Christian Dubé.

No Brasil, a vacinação contra Covid-19 ainda não é considerada obrigatória, mas a Lei 13.979, de fevereiro de 2020 -- mantida pelo Supremo Tribunal Federal em dezembro do ano passado -- possibilita que Estados e municípios legislem, tornando-a compulsória. Por enquanto, o País conta apenas com sanções administrativas, como exigência do cartão vacinal para trabalhar e frequentar bares e restaurantes. Em março de 2020, uma portaria assinada pelos então ministros Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sergio Moro, da Justiça, também admitiu os artigos 268 e 330 do Código Penal àqueles que desrespeitam as regras de isolamento.

A despeito das imposições legais, punições, proibições, multas ou quaisquer outras atitudes intimidatórias que venham a ser adotadas para levar a população a se proteger contra a Covid-19 e suas inúmeras variantes, nada será tão consistente quanto o bom senso geral. Nenhuma restrição conseguirá falar mais alto do que o discernimento. O passado recente prova que é possível. Vale lembrar que foi pelo caminho da conscientização que o Brasil se tornou um dos primeiros países do mundo a erradicar a temível paralisia infantil. Com empenho e seriedade, isso pode se repetir agora. Para isso, é preciso investir com responsabilidade. Que tal priorizar a educação e a formação da população para a nova realidade?