Legislativo
Um mau hábito que a Câmara precisa extirpar
Uma rápida comparação entre as cifras do ano passado e as de 2019 revela um crescimento de 62,9 pontos percentuais
Câmara velha, Câmara nova, tanto faz! Maus hábitos arraigados na Casa de Leis Sorocabana teimam em transpassar gerações como um legado irremovível. Exemplo disso é a praxe de gastar o dinheiro do contribuinte -- e, ainda por cima, entulhar os trâmites dos demais poderes -- com projetos de lei inconstitucionais.
Apesar da renovação de 45% -- quase metade -- dos seus 20 integrantes, por conta da vontade soberana das urnas em 2020, a legislatura que assumiu no ano passado não apenas repetiu as gafes das antecessoras como conseguiu a proeza de ampliá-las.
Independentemente das causas de tamanho contrassenso, já passou a hora de se criar mecanismos capazes de reprimir esse inconsequente desperdício de recursos públicos. Para muitos eleitores, apenas o velho -- mas inusual -- bom senso é suficiente.
De acordo com o site “Consultor Jurídico”, uma lei é considerada inconstitucional, conforme o próprio termo sugere, quando infringe uma norma prevista na Constituição Federal. Isso pode ocorrer tanto no que se refere ao processo a ser seguido pela elaboração legislativa, como pelo fato de, embora tendo a norma respeitado a forma de criação da lei, desrespeita a Constituição quanto ao conteúdo adotado.
A lista de propostas em desacordo com a lei maior inclui, entre outras, aquelas que criam despesas para o município e as que extrapolam as atribuições da vereança, ou seja, são prerrogativas próprias dos poderes Executivo ou Judiciário.
Uma rápida comparação entre as cifras do ano passado e as de 2019 revela um crescimento de 62,9 pontos percentuais na proporção de iniciativas inconstitucionais. No penúltimo ano da legislatura passada, 43 dos 192 projetos de lei de iniciativa dos vereadores sorocabanos foram barrados após a Comissão de Justiça da Casa apresentar parecer de inconstitucionalidade.
Em 2021, os edis apresentaram um total de 555 propostas -- projetos de lei, decretos legislativos, emendas à lei orgânica e projetos de resolução --, sendo que 203 transgrediram um ou mais pressupostos legais. Fazendo os cálculos, chega-se à conclusão de que a proporção de inconstitucionalidade passou de 22,4% em 2019 para 36,5% no ano passado.
Sem associar nomes de autores a números, alguém pode alegar que a maior incidência de propostas consideradas inconstitucionais no ano inicial dos mandatos -- em 2021, por exemplo -- se justifica pela inexperiência dos legisladores novatos e também de suas equipes de assessores.
Embora discutível, esse argumento cai por terra quando se verifica que grande parte das propostas desqualificadas no ano passado era assinada por vereadores veteranos, alguns até quase recordistas em mandatos.
Não é preciso ser especialista em legislação municipal para entender que apresentar projetos inconstitucionais, além de ser mero palanque eleitoral e firula legislativa, também mexe nos cofres públicos, ou seja, no bolso dos contribuintes, uma vez provoca uma série de despesas.
Como destacou o Cruzeiro do Sul de 5 de janeiro, em reportagem de Marcel Scinocca, além de todo o trabalho movimentando a máquina da Câmara, com funcionários, tempo de TV e equipamentos, em assuntos que certamente não farão sentido no futuro, esses projetos também desgastam e geram custos ao Executivo, por exemplo, cujos procuradores, com os mais altos salários da Prefeitura de Sorocaba, têm que elaborar ações para combater os vícios criados pela Câmara.
Vale lembrar que as consequências de um projeto de lei inconstitucional que, por ventura, passe pelo crivo da Comissão de Justiça e pelo plenário da Câmara provoca inconvenientes ainda maiores caso não seja vetada pelo prefeito ou, pior do que isso, tenha o veto derrubado no plenário da Câmara e acabe sancionado pelo próprio presidente do Legislativo.
Adiante, o imbróglio pode ser contestado pelo Ministério Público, por qualquer outra instituição e até por um único cidadão, indo parar na seara da Justiça para a decisão final. Processo desse tipo, denominado Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), envolve um grande número de servidores públicos, magistrados e advogados, resultando, evidentemente, em mais custos para o município.
Se tudo isso não é suficiente para convencer os senhores vereadores a serem mais cuidadosos com as propostas que apresentam, resta, ainda, um argumento caro para eles próprios: os votos necessários à reeleição. Afinal de contas, o tempo e os recursos despendidos com projetos inexequíveis acabam por inviabilizar as necessidades reais dos seus eleitores.
Por conseguinte, fica aqui um desafio: vamos reverter essa contabilidade negativa a partir deste ano?