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Educação no trânsito

Melhorar o trânsito não é utopia

Cada um de nós precisa fazer um exame de consciência e esforçar-se para evitar que nossos veículos se transformem em armas

06 de Janeiro de 2022 às 00:57
Cruzeiro do Sul [email protected]
Ciclista foi atropelado na avenida Washington Luís na noite do último domingo (26)
Ciclista foi atropelado na avenida Washington Luís na noite do último domingo (26) (Crédito: Reprodução)

Os esclarecimentos preliminares sobre um medonho acidente de trânsito ocorrido na noite de 26 de dezembro na avenida Washington Luiz, na zona sul de Sorocaba, reabriu as discussões sobre a eficiência dos métodos adotados no Brasil para disciplinar o trânsito, assim como a responsabilidade de cada um que assume o volante de um veículo qualquer.

Como é comum acontecer após eventos trágicos, o tema “bomba” nas redes sociais: críticos de plantão denunciam a debilidade da legislação, apontam a passividade dos governantes e sugerem punições mais severas. Em seguida, no entanto, os ânimos se acalmam e o tema acaba “esfriando” até que nova desgraça reinicie o ciclo.

Pauta permanente nas mídias e centro de infindáveis debates, a violência no trânsito brasileiro desafia governos e especialistas desde 1893, ano em que Henrique Santos Dumont — irmão de Alberto Santos Dumont, pai da aviação — trouxe da Europa a primeira “carroça sem cavalos”, um Daimler movido a vapor.

Um aparente defeito mecânico teria feito o carro derrapar e quase atropelar um pedestre nas esburacadas ruas do Rio de Janeiro. Quatro anos depois, igualmente na antiga capital de República, uma dupla de ilustres personagens protagonizou o primeiro acidente registrado em boletim policial: um Serpollet, modelo a gasolina fabricado pela francesa Peugeot, ficou destruído após o motorista se perder em uma curva da estrada da Tijuca e bater em uma árvore.

O veículo pertencia ao jornalista José do Patrocínio, mas a alavanca de direção estava a cargo de Olavo Bilac. Passados 125 anos da “barberagem” do poeta das estrelas, os carros evoluíram extraordinariamente, as ruas e rodovias ficaram mais seguras e a legislação apertou o cerco aos transgressores.

Quanto à “cabeça pensante” atrás do volante, lamentavelmente, pouca coisa mudou. A avalanche de acidentes que há décadas assola o País configura a cruel faceta de um cancro incurável, inclusive em Sorocaba. Basta navegar alguns minutos pelo acervo digital do jornal Cruzeiro do Sul para
constatar essa triste realidade.

Em 15 de setembro de 1961, por exemplo, uma reportagem relatava as dificuldades enfrentadas pelas autoridades locais na tentativa de combater a embriaguez ao volante. Quase 18 anos depois, em 6 de janeiro de 1979, o jornal publicava o trágico balanço deixado pelos acidentes ocorridos nas rodovias do município de Sorocaba no ano anterior: 158 óbitos e cerca de 3 mil pessoas feridas.

Em todas as ocorrências, a Polícia Rodoviária constatara apenas cinco causas prováveis: imperícia e/ou
cansaço físico dos motoristas, embriaguez, excesso de velocidade e má conservação dos veículos.

O caso registrado na semana passada, referido anteriormente, expõe todas as facetas dessa guerra descomunal travada entre a propalada civilidade humana é o comportamento irracional que adotamos na prática.

Imagens captadas por câmeras de segurança mostram um motorista cometendo diversas irregularidades em sequência, incluindo o atropelamento de um ciclista e a fuga sem prestar socorro à vítima. O encadeamento de irregularidades registradas no vídeo principia com um veículo saindo de uma via secundária, a rua coronel José Pedro, na contramão e fazendo a conversão na avenida Washington Luiz em alta velocidade.

Mesmo após bater na bicicleta, o motorista continua acelerando, o que faz com que o carro passe sobre o ciclista. Em seguida, faz outras manobras perigosas antes de sair do alcance da câmera. A vítima foi socorrida por populares e passou uma semana internada no Hospital Regional. Mesmo submetida a cirurgias, é possível que guarde sequelas para o resto da vida.

O motorista foi identificado por meio da placa que se desprendeu do carro no momento em que bateu na bicicleta. Sua situação ficou ainda mais complicada ao se apresentar à Polícia Civil, nove dias depois, e justificar a ocorrência: ele estaria fugindo após se envolver em uma briga de bar.

Além disso, ele diz que pensou ter atropelado apenas uma bicicleta. Quanto ao motivo de se evadir sem socorrer a vítima, alegou que temia ser agredido pelas pessoas que presenciaram o acidente. Como se não fosse bastante, foi constatado que o mecânico de 20 anos de idade não possui habilitação para dirigir automóveis.

Por último, e mais grave: a Polícia Civil ainda investiga se o rapaz estava embriagado no momento do acidente. Apesar de a maioria dos fatos mostrarem o contrário, a lógica indica que melhorar o trânsito não é utopia.

Governantes e legisladores têm, evidentemente, papéis importantes na reconstrução do cenário, porém, o protagonismo cabe à própria sociedade. Os mandatários devem, sim, ser constantemente inquiridos sobre políticas públicas que levem à pacificação das ruas e estradas, mas, cada um de nós precisa fazer um exame de consciência, adequar conceitos e se esforçar para eliminar tudo o que transforma nossos veículos em verdadeiras armas ambulantes.

Para começar, devemos enxergar que não é apenas dirigindo sem CNH ou após consumir bebida alcoólica que expomos as nossas vidas e as de todos os que estão nas ruas e estradas a riscos mortais. Falar ao celular, ler mensagens no WhatsApp, esquecer de dar seta, seguir com o semáforo vermelho e ultrapassar os limites de velocidade, entre outras transgressões corriqueiras, são potencialmente tão letais quanto os atos cometidos pelo atropelador do ciclista.

Pense nisso!