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Editorial

Por trás dos imóveis funcionais

Nova portaria permite que ministros de Estado e o Advogado-Geral da União solicitem imóveis mesmo se tiverem residências em Brasília

30 de Dezembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Mariana Raphael / AGÊNCIA BRASÍLIA)

Não são necessários estudos aprofundados ou muita análise para entendermos o porquê de parte da classe política brasileira e agentes públicos do Executivo e do Judiciário serem tão criticados e terem tanta antipatia de uma parcela considerável da população. Basta analisarmos pequenas decisões do dia a dia e algumas regras para constatarmos que estamos muito distantes de um cenário aceitável por parte de nossos agentes públicos -- e isso desde 21 de abril de 1500.

Pois bem, o governo federal publicou ontem uma portaria sobre os critérios para o uso e controle de imóveis funcionais no âmbito da Presidência da República. A norma permite, por exemplo, que ministros de Estado solicitem imóveis mesmo se tiverem residências em Brasília. O privilégio também é permitido ao advogado-geral da União. Essa possibilidade já estava prevista em decreto anterior que trata do uso dos imóveis por agentes políticos e servidores públicos de modo geral considerando outros órgãos da administração pública.

O texto já está em vigor e também traz critérios de desempate dos pedidos, taxas e encargos. Conforme a portaria, ministros têm prioridade para solicitar o uso de imóveis funcionais. Além da Advocacia Geral da União (AGU), a Presidência tem quatro órgãos ligados a ela e com status de ministério: Casa Civil, Gabinete de Segurança Institucional, Secretaria de Governo e Secretaria Geral. Depois, a ordem de prioridade lista ocupantes de cargos de natureza especial e ocupantes de cargos comissionados DAS (Grupo-Direção e Assessoramento Superiores) de níveis 4, 5 e 6.

Mesmo nesses grupos, não poderá utilizar os imóveis quem estiver devendo valores à União por utilização anterior de residências do tipo, ocupando outro imóvel funcional ou recebendo auxílio-moradia. As regras definidas também se estendem “no que couber, supletivamente, à Vice-Presidência da República”. A portaria é assinada pela Secretaria Especial de Administração da Secretaria Geral da Presidência. Ela estabelece ainda os procedimentos para solicitar o uso dos imóveis e as obrigações do permissionário -- quem recebe a outorga de permissão de uso. O ocupante do espaço deve arcar com gastos, como taxa de condomínio, serviços de manutenção, energia, água e gás, além de outros tributos.

O direito ao uso do imóvel será perdido, entre outras situações, quando o ocupante for exonerado ou dispensado do cargo, ou do serviço público, e quando for nomeado para outro cargo.

Felizmente, esse privilégio está proibido aos demais servidores públicos quando ele, seu cônjuge, companheiro ou companheira amparados por lei forem proprietários de imóvel em Brasília, já ocuparem imóvel funcional ou tiverem sua estada custeada mediante auxílio-moradia.

Essa última palavra (auxílio-moradia), por sinal, dá arrepios nos contribuintes honestos e trabalhadores, que recolhem mensalmente seus impostos, recebendo pouca coisa em troca. Trata-se de mais um dos intermináveis penduricalhos a que muitos agentes públicos das três esferas (Legislativo, Executivo e Judiciário) têm direito, numa verdadeira afronta ao bom senso, à responsabilidade financeira e ao bem do País.

Se já não bastassem os salários milionários que muitos desses funcionários recebem da União, grande parte ainda briga por auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-médico e outros auxílios que são verdadeiras aberrações, ainda mais quando considerarmos a realidade da maior parte da população.

Infelizmente, enquanto no Brasil ainda observamos esse estado errado de coisas, em muitos países temos exemplos de servidores públicos que não recebem nada disso, e que trabalham muito mais e melhor para o bem estar da população.

Que o diga a Suécia! Para os deputados suecos, por exemplo, a realidade é bem diferente e tem nome: austeridade. Ao iniciarem o mandato, recebem gabinetes de apenas 7m², apartamentos funcionais pequenos e rígidos limites para o uso do dinheiro dos contribuintes no exercício da atividade pública. E imunidade parlamentar é um conceito que não existe na Suécia.

De acordo com um deputado de lá, “não há sentido em conceder privilégios especiais, uma vez que nossa tarefa é representar os cidadãos e conhecer a realidade em que as pessoas vivem. Também pode-se dizer que é um privilégio representar os cidadãos, já que temos a oportunidade de influenciar os rumos do país”.

Simples, não? Pena que estamos a anos-luz disso!