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Editorial

O futebol também precisa dar exemplo

Segundo o Observatório da Discriminação Racial do Futebol, em 2021, o futebol brasileiro já registrou 51 casos de injúria racial

24 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Ricardo Chicarelli / LEC / Divulgação)

O Dia da Consciência Negra é celebrado anualmente como uma homenagem à resistência da população negra no Brasil, difundindo sua importância para a sociedade e combater o preconceito e a desigualdade racial. Sua data é uma alusão ao dia da morte de Zumbi, o maior líder do Quilombo dos Palmares: 20 de novembro de 1695. E às vésperas da data, no último dia 18, o Brasil deu mostras do quanto ainda tem a aprender sobre o assunto em um verdadeiro “gol contra”.

Nesse dia, o Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) reverteu punição de perda de pontos ao julgar o Brusque, clube catarinense que disputa a Série B do Brasileiro, pela acusação de injúria racial cometida por um dirigente seu contra o atleta Celsinho, do Londrina. O episódio aconteceu no dia 28 de agosto, quando os dois times se enfrentaram em Santa Catarina e o árbitro do jogo registrou o seguinte insulto: “Vai cortar esse cabelo, seu cachopa de abelha”. Júlio Antônio Petermann, dirigente do Brusque, foi identificado como o autor.

Em 10 de setembro, o Londrina ingressou com uma notícia de infração juntando o documento do jogo, o Boletim de Ocorrência registrado pelo atleta, um vídeo do segundo tempo da partida com gritos de “macaco” e matérias jornalísticas veiculadas sobre o caso. O clube catarinense revidou, em nota, negando o ato e acusando Celsinho de falsa denúncia de imputação de racismo. Só recuou diante da pressão popular, pedindo desculpas.

Para a Procuradoria do STJD, o Brusque e Júlio Antônio Petermann infringiram o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), por “praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”, sendo, por isso, punido com a perda de três pontos na tabela. Mas, contrariando as evidências, o Brusque recorreu e conseguiu que os auditores do STJD mudassem a punição para a perda de um mando de campo, devolvendo-lhe os pontos retirados em primeira instância e mantendo só a multa de R$ 60 mil. O dirigente Júlio Antônio Petermann teve mantida a pena de 360 dias de suspensão mais a multa de R$ 30 mil.

Segundo dados do Observatório da Discriminação Racial do Futebol, somente em 2021, o futebol brasileiro atingiu a lamentável marca de 51 casos de injúria racial. Desde 2014, mais de 200 denúncias de racismo foram registradas, mas só 40% dos episódios chegaram aos tribunais e apenas 60% destes tiveram punição dos envolvidos.

Na antevéspera do Dia da Consciência Negra, Celsinho passou cinco horas acompanhando a sessão do STJD, na qual argumentou pela gravidade do episódio. Mesmo assim, cinco auditores do STJD votaram para diminuir a punição, e somente dois (incluindo o relator) mantiveram posição pela perda de pontos. A maioria não se convenceu de que estava julgando um crime. Não compreendeu a gravidade do caso e o abalo psicológico causado. E, principalmente, ignorou as consequências de abrandar uma punição em um caso tão sério.

O pior é que esse jogo, ao que parece, está longe de mudar. Ontem, a 2ª Comissão Disciplinar do STJD impôs ao Cruzeiro a perda de um mando de campo e R$ 50 mil de multa por injúrias raciais cometidas por um torcedor em jogo contra o Remo, também na Série B, no estádio Independência, em Minas. O clube argumenta que fez sua parte tentando identificar o infrator e promete recorrer da punição.

Como bem resumiu Celsinho, o STJD deu um grande “tiro no pé” ao desperdiçar uma oportunidade de evoluir. Ao contrário, retrocedeu. O combate ao racismo, assim como outras formas de discriminação que infelizmente ocorrem no ambiente esportivo -- assédio, homofobia, sexismo --, passa necessariamente pela imposição do exemplo e a existência de penalidades severas que impeçam esse tipo de comportamento.