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Editorial

Consciência para um novo mundo

Ao contrário de outros tipos de revoluções, a que leva à equidade entre os seres humanos tem um único caminho: o que segue de dentro para fora de cada indivíduo

21 de Novembro de 2021 às 11:23
Cruzeiro do Sul [email protected]
Atividades do Dia da Consciência Negra no ano passado.
Atividades do Dia da Consciência Negra no ano passado. (Crédito: Fábio Rogério )

Milênios de evolução tecnológica ainda não foram suficientes para libertar a humanidade de uma das suas mais primitivas manifestações de violência: o preconceito. O Dia da Consciência Negra, assinalado neste sábado (20) para lembrar que todos somos literalmente iguais perante qualquer lei -- terrena ou divina -- é a confirmação contundente de que ainda temos um longo caminho a percorrer antes de sermos realmente merecedores dos louros que nos autoconcedemos.

A própria existência, no Brasil, de uma data para discutir os direitos das pessoas cuja cor da pele não coincide com a pigmentação do grupo que, inexplicavelmente, se autoconsidera dominante, suscita a pergunta: por que temos o Dia da Consciência Negra?

Conforme o Dicionário Aurélio, consciência é “atributo altamente desenvolvido na espécie humana e que se define por uma oposição básica: é o atributo pelo qual o homem toma em relação ao mundo (e, posteriormente, em relação aos chamados estados interiores, subjetivos) aquela distância em que se cria a possibilidade de níveis mais altos de integração”. A mesma fonte de consulta traz definições menos filosóficas para consciência: “faculdade de estabelecer julgamentos morais dos atos realizados”; “conjunto de representações, de sentimentos ou de tendências não explicáveis pela psicologia do indivíduo, mas pelo fato do agrupamento dos indivíduos em sociedade”; e “faculdade de distinguir o bem do mal, de que resulta o sentimento do dever ou da interdição de se praticarem determinados atos, e a aprovação ou o remorso por havê-los praticado”.

Qualquer que seja a definição que se escolha para o termo consciência, está claro que o dia 20 de novembro tem um significado prático no momento em que vivemos. Instituída oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011, a data recorda a morte de Zumbi, o último líder do Quilombo dos Palmares, ponto de resistência de grupos de negros à escravidão no Nordeste brasileiro no final do século 17. Com essa conotação histórica, O Dia da Consciência Negra celebra, relembra e mantém viva a luta dos negros por seus direitos.

Não se pode negar que o Brasil tem avançado na redução das desigualdades sociais. Todavia, a questão étnica está muito mais atrelada a valores morais “e nesse ponto a falta da tal consciência é patente” do que a programas econômicos ou outras medidas governamentais. Lamentavelmente, o preconceito ainda é uma grande barreira a ser transposta.

Apesar de o Brasil ser um país miscigenado, as diferenças entre brancos e não brancos ficam bem acentuadas nas estatísticas. A taxa de analfabetismo é um exemplo da discrepância que atravessa os séculos. Em 2109, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas não brancas eram maioria entre os que não sabiam ler nem escrever. Essa condição ficava mais evidente nos municípios pequenos, com menos de 5 mil habitantes, onde a taxa de analfabetismo entre brancos era de 9,8%, mas subia para 27,1% na população negra e 20% na parda.

Outro dado lamentável revelado no final de 2020 pelo IBGE é com relação à taxa de subutilização dos profissionais -- quando o trabalhador não trabalha ou trabalha menos do que gostaria. Entre pretos e pardos o índice chegava a 28%, caindo para 18% entre brancos. A desvantagem dos brasileiros não brancos se mantém mesmo quando se considera o recorte por nível de instrução: entre negros com ensino superior completo ou mais, taxa de subutilização de 15%; entre brancos, fica pouco abaixo de 11,5%.

A desigualdade se verifica também na remuneração pelo trabalho. Em todos os níveis de escolaridade, brancos recebiam mais do que negros, porém, a diferença era ainda mais acentuada na comparação dos profissionais de nível universitário: enquanto os brancos ganhavam, em média, R$ 32,80 por hora trabalhada, os não brancos desempenhando as mesmas funções recebiam apenas R$ 22,70 -- 31% a menos.

Os obstáculos para ascender aos cargos mais elevados -- e, portanto, de maior remuneração -- resumem de forma ainda mais contundente a condição inferiorizada dos trabalhadores não brancos no País. Segundo o estudo do IBGE, embora pretos e pardos sejam a maioria da população -- 56,1% --, apenas 29,9% dos trabalhadores dessas duas raças ocupam cargos de gerência. Os profissionais brancos, por sua vez, ficam com 69,9% das posições de chefia. Trabalhadores de outras raças exercem os restantes postos de direção nas empresas, cerca de 0,02% do total.

Discriminações relacionadas às questões raciais, no entanto, representam apenas a ponta do colossal iceberg formado por um sem número de intolerâncias cultivadas, adubadas e irrigadas pela ignorância nossa de cada dia. Rejeições por conta do gênero, orientação sexual, religião, ideologia, condição social, opção cultural, incapacitação funcional e aparência, entre tantas outras, confirmam a urgência de uma revisão geral de conceitos.

Ao contrário de outros tipos de revoluções, a que leva à equidade entre os seres humanos tem um único caminho: o que segue de dentro para fora de cada indivíduo. Informação, instrução e conhecimento são, evidentemente, ferramentas importantes para nos ajudar a construir parâmetros. Porém, apenas a mente e o coração de cada pessoa têm, de fato, o poder necessário para expulsar a intolerância que domina o mundo real. Cada um de nós deve aproveitar essa data para se autoavaliar e dar o primeiro passo rumo à conscientização.