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Editorial

Carnaval com sabedoria

Em vídeo, prefeito Rodrigo Manga anunciou que a Prefeitura de Sorocaba não aplicará recursos públicos para a realização do Carnaval de 2022

17 de Novembro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Emidio Marques / Arquivo JCS (22/2/2019))

No Brasil, o ano só começa depois do Carnaval. Quem nunca ouviu essa expressão? Por mais que seja feita em tom descontraído, na base da brincadeira, ela carrega um certo deboche sobre o caráter de parte dos brasileiros. Ao mesmo tempo em que somos considerados um povo aberto, receptivo, caloroso e festivo, a frase também nos lembra do descompromisso crônico de uma parcela da população.
Dizer que no Brasil o ano só começa após o Carnaval significa afirmar que o brasileiro só gosta de festa e deixa o trabalho para depois. Não é verdade. Ainda mais nos dias de hoje em que a crise econômica nos obriga a correr atrás e a matar um leão por dia em busca da sobrevivência.

Pois bem, pior do que agir de forma descompromissada como nessa frase simbólica, é saber que em muitos Estados e cidades o Carnaval ainda utiliza dinheiro público para ser realizado. Felizmente, aqui em Sorocaba, isso não irá acontecer. Em um vídeo postado ontem, o prefeito Rodrigo Manga anunciou que a Prefeitura de Sorocaba não aplicará recursos públicos para a realização do Carnaval de 2022. Trata-se de uma decisão acertada, que merece ser elogiada e apoiada.

Primeiramente é importante esclarecer que não se trata de uma medida contrária à realização do Carnaval no município. As ações dessa importante festa popular brasileira poderão ocorrer normalmente na cidade, desde que realizadas por meio de parcerias com a iniciativa privada ou recursos próprios, por exemplo.

Em seu depoimento, Manga realçou que o dinheiro público tem de ser investido na Saúde, na Educação e em Segurança. Sim, é o óbvio, mas muitas vezes nesse Brasilzão afora é preciso dizer o óbvio, já que os absurdos são tão recorrentes que passam a ser corriqueiros e até normalizados.

Em relação à participação da iniciativa privada, um dos exemplos pode ser o Carnaval de rua da cidade de São Paulo. Com o sucesso do evento em anos recentes, a festa passou a ser cobiçada. Na semana passada, por exemplo, foi tornada pública uma proposta de R$ 23 milhões -- valor mínimo estipulado em edital -- de uma gigante do setor de bebidas para patrocinar o evento. A expectativa da prefeitura paulistana é repetir o público de 2020, com cerca de 15 milhões de foliões. Porém, isso dependerá da liberação dos órgãos municipais de saúde por conta da Covid-19. E aí está um ponto-chave nessa questão. Como imaginar um Carnaval normal tendo uma pandemia ainda em curso? Depois de tantos esforços para conter a propagação do coronavírus, desafogar o sistema de saúde e diminuir o isolamento social, vamos simplesmente jogar tudo para o alto e cair na folia? É hora das autoridades refletirem, ponderarem e estabelecerem normas para não termos uma escalada da Covid pós-Carnaval.

Felizmente, parte da população parece estar mais consciente. Após crescimento nas edições anteriores, as inscrições para o próximo Carnaval paulistano caíram 9,68%, com 867 solicitações de desfiles para 2022, ante as 960 de 2020. Segundo relatos e reportagens, parte dos blocos se inscreveu com hesitação e decidirá se desfilará de fato apenas mais próximo da data. O número de desfiles realizados em comparação aos inscritos também costuma cair até o Carnaval, por motivos relacionados a patrocínio, organização e outros. Em 2020, por exemplo, mais de 30% desistiu até quatro dias antes do início da programação. Dos 960 desfiles inscritos naquele ano, 670 foram realizados. As inscrições também caíram no Rio de Janeiro, de 731 para 620, uma redução de 15,18%.

Outro tema diz respeito aos deslocamentos. Uma pesquisa do Observatório do Turismo, feita em 2020, apontou que o público majoritariamente utiliza transporte coletivo para ir aos desfiles, principalmente ônibus ou trem (51,4%). Durante a programação, são frequentes casos de estações e veículos com alta lotação. Ou seja, as aglomerações são praticamente uma certeza. Em coletiva mês passado, a Prefeitura de São Paulo mostrou ter desenvolvido um cálculo para estimar a capacidade e a quantidade de público dos desfiles, com a classificação da aglomeração em cinco níveis (o mais alto é de seis pessoas por metro quadrado). Estes dados serão utilizados exclusivamente para o planejamento de infraestrutura.

O maior cuidado, porém, deve ser justamente por conta da pandemia. Se tantas atividades foram proibidas ou canceladas por causa do vírus, por que o Carnaval precisa ser realizado em sua plenitude? A cautela é irmã da inteligência, e aprendeu tudo com a sabedoria. Sejam sábios no Carnaval.