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Editorial

Em respeito aos aposentados

Projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa de SP proíbe que instituições financeiras ofereçam ou fechem empréstimos por telefone com aposentados e pensionistas

30 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: Depositphotos.com)

Uma das coisas mais irritantes e desrespeitosas pelas quais passam os aposentados e pensionistas no Brasil é o insuportável bombardeio de ligações telefônicas feitas por bancos e instituições financeiras oferecendo crédito -- dinheiro na conta. Além do excesso de chamadas e da insistência na oferta, há um agravante: muitas vezes, de forma proposital, existe falta de clareza quanto aos termos do empréstimo, como juros abusivos e outras “pegadinhas”.

Pois parte dessa prática nociva está perto de ter um fim, ao menos no Estado de São Paulo. Na quarta (27), um projeto de lei foi aprovado na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp). O texto proíbe que instituições financeiras ofereçam ou fechem empréstimos por telefone com aposentados e pensionistas. O projeto também determina que os contratos só podem ser feitos se forem expressamente solicitados pelos clientes.

O objetivo é tentar barrar a propaganda abusiva direcionada aos idosos, especialmente aos aposentados e pensionistas, e também proteger esse público de contratos fechados de forma apressada e pouco clara -- por telefone -- e que podem causar mal entendidos sobre os juros ou valor das parcelas. Muitas vezes na oferta por telefone as condições não são detalhadas. Para seduzir os clientes, os ofertantes do empréstimo costumam mostrar apenas o lado positivo do negócio, sem deixar claro ao consumidor os perigos envolvidos nesse tipo de contratação.

Quem é aposentado ou pensionista sabe o transtorno que é receber dezenas de ligações diárias com essas ofertas mirabolantes. A situação é tão caótica que, mesmo quando as pessoas bloqueiam os números de onde partem as ligações, o aborrecimento continua. Ainda que seja feito o cadastro no site do governo federal específico para isso, as empresas dão um jeito de continuar telefonando por meio de outros números e canais.

Infelizmente, no Brasil, o empréstimo e o oferecimento de crédito a pensionistas e aposentados é mais uma daquelas coisas em que a ideia é boa, mas a prática se torna nociva pela falta de ética, bom senso e respeito.

Aqui no País, o sistema envolvendo esse tema está totalmente contaminado. Chegou-se a um ponto em que os postulantes à aposentadoria acabam sabendo que o benefício foi concedido não por meio dos canais oficiais da Previdência e, sim, pelas instituições financeiras. Com informações privilegiadas, elas acabam sabendo da aprovação da aposentadoria antes mesmo que o aposentado seja oficialmente notificado. E, claro, ligam para a pessoa oferecendo empréstimo. É o absurdo do absurdo -- além de comprovar o vazamento de informações e a corrupção que existe nas entranhas do setor.

O texto aprovado pela Alesp precisa ainda ser sancionado pelo governador João Doria (PSDB). O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), porém, espera que a lei entre em vigor o quanto antes. Um levantamento do Ministério da Justiça mostra que as reclamações de beneficiários do INSS contra bancos e financeiras dispararam durante a pandemia. Em setembro de 2020, foram 416 queixas de pessoas que receberam cobrança por serviço não contratado, cobrança indevida ou cobrança de tarifas não informadas na hora do contrato. Em setembro deste ano, o número aumentou 18,3%, com 492 reclamações. E isso somente neste canal pouco divulgado. Nos Procons espalhados pelo País, as reclamações de aposentados em relação a essa prática estão entre as que lideram os rankings. Existem desde casos de fraude até reclamação por ter aderido a uma oferta de crédito, mas não ter sido informado previamente com clareza o valor total do montante, da quantia a ser paga, dos juros aplicados etc...

A Federação Nacional de Bancos de SP (Febraban) diz que entende as razões do Legislativo paulista, mas que há preocupação de que a medida possa restringir as formas de contato a distância, trazendo “desconforto e prejuízo a milhares de idosos que atualmente têm a possibilidade de acesso a crédito por telefone”. Quanto a isso, a federação pode ficar tranquila. Atualmente, o que traz mais desconforto e prejuízo aos idosos são essas ligações sem fim -- e também quando os termos dos empréstimos não são totalmente claros.