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Editorial

Mais uma PEC a favor dos políticos

Proposta quer tirar da Constituição a obrigação dos parlamentares de abrirem mão do mandato antes de assumir postos diplomáticos no exterior

23 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP).
Senador Davi Alcolumbre (DEM-AP). (Crédito: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

Além de inflação, desemprego, preço dos combustíveis, da energia elétrica, alta do dólar e tantas outras dificuldades, atualmente a população brasileira também está tendo de enfrentar um outro vilão. Ele tem nome longo, apelido curto e trafega por alguns gabinetes poderosos de Brasília tentando emplacar novas regras e leis que, na verdade, servem somente para blindar e favorecer uma parcela dos políticos. São as Propostas de Emenda à Constituição (PECs), ferramentas usadas para tais manobras.

Na edição de ontem, neste mesmo espaço, a discussão foi em torno da PEC que pretende mudar a composição e a forma de atuação do Conselho Nacional do Ministério Público, permitindo maior participação e interferência política no Conselhão.

Pois bem, menos de 24 horas depois, os cidadãos brasileiros já têm mais uma PEC escandalosa para se preocupar. Em nova ação claramente corporativista, foi ressuscitada e acaba de ser protocolada uma proposta que pretende retirar da Constituição trecho que obriga os parlamentares a abrirem mão do mandato antes de assumir a chefia de postos diplomáticos no exterior. A PEC é de autoria do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Comissão de Constituição e Justiça.

Em situações excepcionais, qualquer cidadão brasileiro nato, maior de 35 anos, com reputação de bons serviços prestados ao País, pode servir como embaixador, se escolhido pelo presidente e aprovado em votação no Senado. No caso dos parlamentares federais, eles devem, obrigatoriamente, renunciar ao cargo para o qual foram eleitos antes da posse. A exigência, prevista em diferentes Constituições, existe desde 1937 e nunca foi derrubada.

Na prática, essa regra contribuiu para uma maior profissionalização das embaixadas e do corpo diplomático. Dos atuais embaixadores brasileiros, por exemplo, só um vem de fora da carreira diplomática. É o general da reserva Gerson Menandro, do Exército, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para ocupar o posto em Tel-Aviv, em Israel, no ano passado. O presidente também chegou a escolher como embaixador na África do Sul o ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella, bispo da Igreja Universal, mas como Crivella não recebeu o aval do governo sul-africano, o chamado agreement, não conseguiu assumir o posto.

Com a PEC de Alcolumbre, os parlamentares querem ficar livres para poderem brigar por cargos importantes nas embaixadas do Brasil mundo afora sem terem de abrir mão das benesses e vantagens que possuem como deputados e senadores.

Uma eventual aprovação dessa proposta pode transformar a indicação para postos diplomáticos de prestígio em uma barganha política por cargos de embaixador do Brasil, indicados exclusivamente pelo presidente.

Estão em jogo, por exemplo, as chefias de 133 embaixadas espalhadas por todos os continentes, além de 12 missões e delegações permanentes perante organismos internacionais. A mais recente delas foi criada oficialmente na última quarta-feira (20), em Manama, no Bahrein. A abertura do posto faz parte de uma mudança na política externa, após anos de contração do serviço exterior, e tem como principal objetivo impulsionar negócios agrícolas e a venda de armamentos no Oriente Médio.

Para justificar sua proposta, Alcolumbre apela para uma suposta discriminação aos parlamentares e lembra que nem para o ministro das Relações Exteriores, superior hierárquico dos embaixadores, há tal exigência.

Para ser implantada, a proposta tem de ser aprovada em comissões, uma delas a própria Comissão de Constituição e Justiça, e em duas votações de plenário, no Senado (49 votos) e na Câmara dos Deputados (308 votos).

Enfim, é mais uma PEC que precisa ser combatida pela população e pela opinião pública.