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Editorial

Proposta que não é boa para o Brasil

PEC que tenta mudar a composição e as atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público é mais uma forma de blindar os políticos

22 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira.
Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira. (Crédito: MARYANNA OLIVEIRA / ARQUIVO CÂMARA DOS DEPUTADOS (30/9/2021))

Mesmo em tempos de polarização, radicalização, bate-boca e ameaças, existe algo que une uma parte dos políticos brasileiros. Em determinadas situações, essa parcela se junta com força, independentemente da cor da bandeira, de ideologia, credo ou qualquer outra coisa. O pior é que essa convergência não acontece para defender a população. Muito pelo contrário. Afinal, se tem uma coisa em que a maioria dos políticos brasileiros se tornou mestre é na arte de se autoproteger. É assim há décadas.

E é justamente isso que estamos presenciando nas discussões da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que tenta mudar a composição e as atribuições do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Criado em 2004, o órgão, popularmente batizado de “Conselhão”, é responsável por fiscalizar a conduta de membros do Ministério Público. Além de alterar a composição do colegiado e os critérios para a indicação dos conselheiros, com aumento dos assentos reservados ao Congresso, a proposta apresentada pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP) também amplia a função do órgão. Conforme o texto, em adição à função correcional, o CNMP poderá revisar atos de promotores e procuradores. A previsão abre caminho, por exemplo, para anulação de denúncias, pedidos de prisão e condenações fora da via judicial.

Traduzindo: a PEC vai permitir que políticos tenham o poder de interferir no trabalho de promotores e procuradores. Se lembrarmos que, em muitas ocasiões, o Ministério Público investiga e tenta justamente punir políticos malfeitores, estaremos abrindo uma brecha para o suspeito ou investigado interferir ou até invalidar a investigação e o investigador.

Apelidada de “PEC da Vingança”, a medida é considerada uma revanche contra a Operação Lava Jato e uma das prioridades da agenda do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e de um grupo de parlamentares. Contudo, sem o apoio necessário, a votação foi adiada por três vezes, e o parecer do relator já teve nove versões. Em uma tentativa de aprová-la, um relatório final e uma votação foram feitas às pressas, anteontem. Mesmo assim, a PEC foi rejeitada pelos deputados, pois conseguiu 297 votos dos 308 necessários para aprovação, dentre os 513 deputados. Faltaram, portanto, apenas 11 votos.

Votaram a favor da PEC desde membros da ala governista e toda a bancada do PT, claro.

O grande problema é que a rejeição do texto não significa o fim da PEC. O texto original ainda pode ser aprovado pelos parlamentares já que a proposta derrotada na quarta-feira foi um substitutivo. No original, também há clara tentativa de “enquadrar” o MP com aumento do número de vagas do CNMP e ampliação da influência do Legislativo sobre o órgão.

Apesar de o texto não ter passado na votação, promotores e procuradores contrários à mudança temem manobras da Câmara para tentar virar o jogo. As entidades que representam procuradores e promotores, como a Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) e a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), se posicionaram contra a proposta.

Quem defende a PEC argumenta que a ausência de um Código de Ética no CNMP depõe contra a categoria. Segundo esses parlamentares, o Conselho age com corporativismo e evita punições severas a procuradores e promotores que extrapolam funções.

Evidentemente que todo poder precisa ter seu regulamento e regulação. Nenhum excesso é positivo, aliás, de nenhum dos poderes. Todos os abusos de autoridade precisam ser contidos.

Mas a derrota da PEC foi uma conquista para a autonomia das instituições. É preciso seguir trabalhando para não permitir o enfraquecimento do combate à corrupção e ameaças à independência do Ministério Público. Na verdade, isso significa o fortalecimento da democracia e a proteção da sociedade. Afinal, como um promotor poderá realizar seu trabalho sem medo de sofrer retaliações ou punições quando ele, por exemplo, investigar uma pessoa poderosa que tenha influência política?