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Editorial

A raposa que cuida do galinheiro

De que adianta fazer uma CPI importante como a da Covid -- ainda que apressada e com viés político -- se o escolhido para ser o relator é o senador Renan Calheiros?!

20 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
Senador Renan Calheiros (MDB-AL).
Senador Renan Calheiros (MDB-AL). (Crédito: Jefferson Rudy / Agência Senado)

Demorou um pouco, mas o senador Renan Calheiros (MDB-AL) acabou mostrando sua verdadeira face. Após meses tentando interpretar o papel de paladino da Justiça -- um personagem que absolutamente não lhe cabe --, Renan causou um tremendo racha no alto-escalão da CPI da Covid, algo que vai afetar não só o relatório final como todo o resultado de meses de trabalho -- e gastos públicos -- da Comissão Parlamentar de Inquérito.

Velha raposa da política nacional e conhecedor dos meandros do poder e das artimanhas praticadas há décadas em Brasília, Renan quis dar mais uma demonstração de uma de suas especialidades: a suposta esperteza. A fim de saciar o ego e mostrar protagonismo, ele vazou trechos do parecer final da CPI da Covid à imprensa antes mesmo de discutir os pedidos de indiciamentos com seus pares. O motivo? Dessa forma, jogou “para a plateia”, individualizando o relatório e colocando os outros senadores em posição delicada. Afinal, quem vai querer ser expor e corrigir as distorções praticadas por Renan no parecer final?

O relatório deve listar uma série de crimes supostamente cometidos pelo presidente Jair Bolsonaro na pandemia, como homicídio qualificado, infração de medida sanitária preventiva, charlatanismo, genocídio de indígenas e prevaricação. O “paladino da Justiça” Renan resolveu classificar os crimes como dolosos, ou seja, em que o autor assume os riscos conscientemente.

O problema é que há divergências entre integrantes da CPI sobre algumas acusações e tipificações dadas por Renan, sobretudo no chamado G-7, grupo dos sete senadores que ditam os rumos do colegiado. Vários deles discordam abertamente do relatório final. Entre os pontos mais questionados estão justamente a questão de ação dolosa ou culposa, a classificação de “genocídio indígena” e de homicídio qualificado por parte de Bolsonaro.

A atitude de Renan o colocou em pé de guerra com o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-BA). Após o atrito gerado, a reunião entre os senadores que aconteceria anteontem para tratar dos ajustes ao texto foi cancelada. Aziz esbravejou, negando qualquer possibilidade de conversa com Calheiros. “Teríamos que ter discutido isso e ter chegado a um acordo dos indiciamentos, das tipificações, antes de vazar o relatório”, afirmou.

Na prática, o movimento de Calheiros deixou o resto da comissão de mãos atadas -- colocando em xeque uma soma imensa de esforços e que já dura meses.

Após o vazamento de trechos do relatório, o presidente da comissão decidiu adiar em uma semana a votação do documento. A leitura do parecer, prevista inicialmente para ontem (terça), foi remarcada para hoje (quarta). Já a votação foi marcada para a próxima terça (26).

Esse é o preço que se paga por colocar a raposa para cuidar do galinheiro. De que adianta tentar fazer uma CPI importante como a da Covid -- ainda que apressada e com viés político acentuado -- se o escolhido para ser o relator é uma figura carimbada da República como Renan?! Com essa indicação equivocada e politiqueira, pode-se ter jogado no lixo uma chance única para esclarecer algumas coisas em relação à condução da pandemia.

E não são apenas os holofotes da CPI que estão sobre Renan. Cobrada a avaliar se há elementos para denunciar o senador por suposta propina da Odebrecht, como apontaram delatores da Lava Jato, a Procuradoria-Geral da República (PGR) comunicou ao Supremo Tribunal Federal (STF), anteontem, que está levantando informações para emitir seu parecer. O ministro Edson Fachin, relator do caso, havia dado prazo de 15 dias para a PGR apresentar uma manifestação conclusiva no inquérito.

Em julho, a Polícia Federal indiciou Renan por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. O senador foi acusado de receber R$ 1 milhão da empreiteira como contrapartida pelo apoio político à aprovação de uma resolução que restringiu incentivos fiscais a produtos importados, beneficiando a Braskem, braço petroquímico do Grupo Odebrecht.

Embora a PF tenha concluído a investigação, o caso está parado há dois meses, desde que a PGR pediu ao Supremo que anule o indiciamento do senador. O argumento é o de que a competência para conduzir investigações que atingem autoridades com foro privilegiado, incluindo a promoção de seu indiciamento, é exclusiva da Procuradoria-Geral da República. Ah, Brasil...