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Editorial

O papel das redes sociais

Desta vez as denúncias contra o Facebook são grandes demais para serem simplesmente ignoradas

12 de Outubro de 2021 às 00:01
Cruzeiro do Sul [email protected]
(Crédito: REPRODUÇÃO)

Quem acha que o apagão sofrido pelas redes sociais e aplicativos de mensagens administrados pelo Facebook, na semana passada, é o maior problema enfrentado pela gigante da tecnologia, está redondamente enganado. A verdadeira dor de cabeça veio um dia depois de a empresa ficar com os serviços do WhatsApp, Instagram e Facebook fora do ar por cerca de seis horas. Foi quando Frances Haugen, uma ex-funcionária da empresa, que já havia feito denúncias sobre a prática do Facebook, deu um longo depoimento no Congresso americano. Seu conteúdo é tão explosivo que, pela primeira vez em muito tempo, republicanos e democratas estiveram unidos de forma civilizada para acompanhar a audiência. Haugen não era uma funcionária qualquer. Formada em computação e com MBA na prestigiada Universidade de Harvard, trabalhou em outras empresas de tecnologia antes de virar gerente de produto do Facebook.

Pois bem, munida de documentos e estudos que amealhou durante o tempo em que foi funcionária da empresa, Haugen mostrou aos congressistas americanos diversas práticas nocivas e danosas praticadas pelo cérebro do Facebook -- seu algoritmo. Em uma breve e simplória descrição, o algoritmo “escolhe” o que devemos ver ao acessarmos as redes sociais e também quais anúncios vão aparecer. Ele vigia e norteia toda a nossa navegação nas redes. Conforme relatórios internos mostrados pela ex-funcionária, o Facebook sabia que seus aplicativos têm o potencial de prejudicar e causar danos às crianças e aos jovens.

Estudos feitos pela companhia mostram que suas ferramentas podem piorar distúrbios alimentares ou pensamentos suicidas em adolescentes, por exemplo. A revelação caiu como uma bomba. Os escândalos anteriores envolvendo o Facebook pouco afetaram seu domínio no mundo. A empresa continua gerando bilhões e ditando os rumos da forma de comunicação das pessoas, empresas e negócios. Contudo, as denúncias de agora são as mais sérias desde sua fundação. Pela primeira vez pode -- e deve -- haver, ao menos, uma reflexão sobre o tema. São muitas as questões envolvidas: regulamentação, falta de legislação, defesa do direito à liberdade de expressão, práticas prejudiciais e rápidos avanços na tecnologia.

A questão das crianças serem afetadas negativamente pelo uso do Instagram ou outros aplicativos de redes sociais é algo que pode catalisar as cobranças e advertências. No passado, a empresa superou escândalos como o da Cambridge Analytica, uma empresa britânica que usou os dados pessoais de milhões de usuários do Facebook para fins publicitários. Na ocasião, o chefão do Facebook, Mark Zuckerberg, viajou a Washington para se desculpar e a empresa concordou com uma multa de US$ 5 bilhões. Em contrapartida, os congressistas americanos não aprovaram nenhuma lei contra a empresa, apesar do escândalo causado pelo roubo de dados pessoais de milhões de usuários antes das eleições presidenciais americanas de 2016. Mas essa nova revelação sobre o comportamento do Facebook pode atingir a empresa de forma mais profunda. Por mais que no dia a dia muita gente já esteja consciente dos malefícios que as redes sociais podem causar, sobretudo aos mais jovens, desta vez as denúncias são grandes demais para serem simplesmente ignoradas -- mesmo diante de todo o poder financeiro e de influência de Zuckerberg. Afinal, as redes sociais tornaram-se uma poderosa ferramenta da sociedade moderna. Praticamente tudo gira em torno delas nos tempos atuais. Elas podem influenciar sobremaneira as pessoas, para o bem ou para o mal, afetando comportamentos e sentimentos. A despeito de possíveis benefícios, não há dúvida de que possuem uma série de pontos, no mínimo, duvidosos -- para não dizermos negativos.

Porém, o ponto principal é o que fazer? Regulamentar as redes sociais? Mas como? Quem teria autoridade e competência para isso? Como criar situações jurídicas para algo assim? É um terreno desconhecido e complexo. Afinal, qualquer legislação sobre a questão terá de ser muito bem direcionada pois há uma linha tênue entre proteção e controle. Talvez o primeiro -- e importante -- passo dependa somente de nós e seja muito mais fácil do que alguma opção mirabolante. Simplesmente viver mais a vida real do que a vida das redes sociais.